Há uma minoria muito estridente nas redes que cobra dele provas de lealdade. Abraçado a políticos com dinheiro nas cuecas, com sua família toda enrolada, o presidente não pode mesmo entregar a promessa de combate à corrupção. Então ele cria conflitos com a China, com Doria, com a vacina para provar que permanece sendo o mesmo. Ele foi cobrado pelo acordo de intenção assinado com o governo de São Paulo e por isso deu o seu chilique.
O Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacina para o programa nacional de imunização e tem a confiança do país. É óbvio que será um dos fornecedores, caso a vacina desenvolvida na cooperação com a China passe bem por todo o processo da Anvisa. Como disse ontem a agência, existem quatro “protocolos de desenvolvimento vacinal” correndo na Anvisa e nenhum pedido ainda de registro. Quando houver, será avaliado tecnicamente. O presidente da Anvisa, Antonio Barra, procurava palavras para não sair do roteiro da agência. Barra é o mesmo que em março foi para uma manifestação contra o Congresso junto com o presidente, participando de aglomeração. Recebeu esta semana a aprovação do Senado e agora tem mandato.
No entorno do presidente a explicação dada pela manhã foi que Bolsonaro estava dizendo que o governador Doria havia distorcido o que fora dito por Pazuello na videoconferência. Doria divulgou o comunicado da reunião para mostrar o que havia acontecido e que todo mundo tinha entendido, aliás. Uma intenção de compra caso a vacina seja aprovada e tenha registro. Inventando uma briga inexistente, Bolsonaro postou que qualquer vacina deverá ser comprovada cientificamente e aprovada pela Anvisa. Mas fez isso escrevendo em caixa alta: “A vacina chinesa de João Doria.” E conclui que não vai comprar a vacina. Depois usou a palavra “traição” e era em relação ao ministro da Saúde.
Ao atacar Doria, ele está tentando enfraquecer um suposto adversário de 2022. Ao fazer sucessivas referências depreciativas à China, ele estigmatiza o país. Mas mais do que isso: Bolsonaro agride nosso principal parceiro comercial e investidor estratégico. Não ganhamos nada em tomarmos partido na nova guerra fria. O interesse americano nessa briga não é o nosso interesse.
A embaixada chinesa já havia soltado uma nota na terça-feira para rebater as acusações do secretário americano, Mike Pompeo, e do conselheiro de Segurança Nacional, Robert O’Brien, de que a China seria uma ameaça ao Brasil. No trecho mais duro contra os americanos, os chineses disseram que os EUA tinham um “histórico sujo” em segurança cibernética, com operações massivas de espionagem contra vários países, incluindo o Brasil. Ontem, após a polêmica com a vacina, o embaixador chinês, Yang Wanming, afirmou que investimentos chineses no Brasil geraram mais de 50 mil empregos diretos e poderiam chegar a US$ 100 bilhões em um período de cinco anos. Era uma forma de comparar com o que foi oferecido pela missão americana. Perto do volume que precisa ser mobilizado para o investimento em 5G, o US$ 1 bi de financiamento americano não é nada.
Num mesmo ataque de nervos o presidente agrediu um parceiro estratégico, mostrou de novo que não tem atributos para comandar uma federação, humilhou o ministro da Saúde, justamente o mais submisso aos seus caprichos.
O pior, contudo, é que Bolsonaro atentou contra a saúde dos brasileiros. Ele espalha o vírus da desconfiança em relação a uma vacina que pode vir a salvar milhares de vidas. Desde o começo da pandemia ele já brigou com governadores, agrediu o STF, demitiu dois ministros da Saúde, defendeu remédios não comprovados, ajudou a disseminar o coronavírus com suas aglomerações e seu exemplo de desprezo à proteção. Bolsonaro é um atentado à saúde pública no meio de uma pandemia. E já são 155.459 os nossos mortos.
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