Na verdade, o que se discute agora é basicamente a ajuda emergencial até dezembro. Não dava para pagar os R$ 600. Caiu para R$ 300. Daqui a pouco surgirá a nova discussão, agora sobre o programa Renda Brasil, que pretende ser um serviço continuado, nos moldes do Bolsa Família.
Tudo isso é estimulado pela campanha à reeleição de Bolsonaro. Esses programas foram sempre necessários, mas no passado ele se opunha a eles, chamava-os de Bolsa Farinha e os via como uma forma de comprar votos. É sempre assim: no governo dos outros é suborno, no nosso é medida necessária para atenuar as duras condições de vida da população mais pobre.
Por causa do seu apelo eleitoral, só se discute mais intensamente a ajuda aos pobres. Mas sabemos que, apesar de garantir votos, o Brasil precisa de mais: de um projeto de retomada econômica com abertura de empregos.
Ainda assim, é pouco. Em cada momento histórico é preciso definir um rumo, sobretudo depois de uma tenebrosa pandemia, com todas as suas consequências.
Ter um rumo correto faz a diferença. Os europeus optaram por uma retomada verde e também por avançar no processo de modernização digital. Isso define investimentos e repercute até nas decisões tributárias, que estimulam as atividades de baixo carbono e penalizam as mais problemáticas numa época de aquecimento global.
Não se trata de afirmar que o Brasil precisa ter o mesmo rumo, embora esteja envolvido no mesmo contexto globalizado. É um dos raros países que são uma potência ambiental, não poderia perder esse bonde, uma vez que dificilmente passará outro tão promissor nas próximas décadas.
Uma das lacunas na chamada reforma tributária, em nosso país, é ser vista apenas sob um ângulo superficial da racionalização. O único objetivo parece ser a simplificação, que já é algo importantíssimo para o crescimento. Mas crescer para onde? E como crescer?
Tradicionalmente, as questões ambientais ficam um pouco à margem do debate tributário. Às vezes o simples princípio poluidor pagador já é visto como uma grande vitória.
No entanto, a questão das atividades de baixo carbono passa a ocupar um espaço novo. O aquecimento global transformou o carbono neutralizado numa espécie de moeda. Alfredo Sirkis, amigo morto recentemente, tinha o sonho de transformar o carbono numa referência monetária, como foi o ouro até a conferência de Bretton Woods.
Existe outro ponto em que o Orçamento se poderia transformar de discussão burocrática em debate vivo. Refiro-me também ao dinheiro destinado à defesa nacional. Ele foi ampliado por Bolsonaro, embora não a ponto de suplantar educação ou saúde, como o presidente queria.
Não custava nada um debate sobre as verbas da defesa não escorado apenas em cifras, mas em rumos. Que tipo de guerra esperamos, como nos preparamos para ela, os recursos são adequados? Parece uma heresia trazer esse debate da defesa para a sociedade.
Sabemos que os militares se preocupam com a defesa da Amazônia, num momento em que o mundo está muito interessado no destino da região.
Até que ponto vão investir na Amazônia? Que concepção de defesa têm para a área?
Teoricamente, fica mais fácil tomar conta de uma região sem a floresta em pé. Mais simples ainda seria essa tarefa se os povos indígenas fossem fundidos num só povo, o brasileiro.
Mas o problema central é que a floresta terá de ser explorada sem destruição e os povos indígenas são considerados hoje também uma riqueza da humanidade. Aliás, essa já é uma visão mais antiga. Durante a conferência de 1992 no Rio, houve o encontro dos líderes mundiais e um encontro paralelo, no Aterro do Flamengo, reunindo organizações e personalidades. Neste encontro foi definido que a diversidade cultural é tão importante para o futuro comum como a biodiversidade.
É esse quadro complexo de biossociodiversidade que a defesa da Amazônia nos apresenta. Nada mais interessante antes de abordar cifras do que conhecer exatamente o tipo de escolha que o Brasil fará. Mesmo porque as notícias que surgem são muito inquietantes. Fala-se na compra de um satélite de R$ 145 milhões, quando sabemos que o Inpe monitora adequadamente a região. Por que essa redundância? No passado fizemos um investimento gigantesco para a época no Sivam, o Sistema de Vigilância da Amazônia. Fala-se muito pouco dele, mas seria um instrumento até mesmo de nossa diplomacia amazônica, por sua possibilidade de coletar e compartilhar dados.
Enfim, todas essas dúvidas são pertinentes para quem se interessa em examinar como o País gasta o seu dinheiro. Vimos que a economia é bastante severa quando se trata de salário mínimo: não há aumento real. No entanto, o debate é se os militares podem ou não ultrapassar o teto do funcionalismo público. Isso é tão desapontador que prefiro acreditar que um verdadeiro debate sobre Orçamento ainda virá, ou já existe e minhas antenas ainda não o captaram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário