Muitos tentarão culpar a pandemia. Mas os males endêmicos são outros: sistema eleitoral cruel, criado para manter o eleito longe do eleitor, e o voto obrigatório, que desobriga partidos e candidatos de se empenhar em campanhas de convencimento.
Hoje, o embate real, com participação ativa do eleitorado, só ocorre em pequenos municípios onde os candidatos pertencem à comunidade. Um privilégio restrito a apenas 15,5% da população que, segundo o IBGE, vivem em locais com menos de 20 mil habitantes.
Mais da metade dos brasileiros moram em cidades com mais de 100 mil habitantes e 30,2% em aglomerações de mais de 500 mil. Nelas, poucos são os eleitores que conhecem as propostas do político a quem dão o seu voto. Menor ainda é o grupo que lembra em qual vereador votou ou que cobra as promessas não cumpridas pelos postulantes. Não à toa, o voto distrital, puro ou misto, seria a solução para aproximar o eleitor do eleito.
O sistema misto poderia ter sido experimentado neste ano caso a proposta de José Serra (PSDB-SP), que chegou a ser aprovada no Senado, tivesse logrado êxito na Câmara. A ideia era aprimorar a representação testando o distrital na escolha de vereadores em cidades com mais de 200 mil eleitores. Depois, estendê-lo ou não ao pleito de deputados estaduais e federais.
Não vingou à época e tem chances mínimas de ser adotado por mexer na política rasa e de compadrio, nas quais o voto é tratado como troca de favores, e no poder hereditário – avô, pai, filhos, netos, bisnetos se elegendo pelo sobrenome. Tem-se assim gerações de políticos unidos pelo umbigo sem qualquer compromisso com o eleitor. O então deputado Jair Bolsonaro e seu zeros são um exemplo modelar dessa perversa distorção.
Tida e havida como mãe de todas, a reforma política de 2017 foi tímida. Avançou no estabelecimento da cláusula de barreira (que já deveria ter sido implantado anos atrás, mas foi suspensa pelo STF) para impedir a proliferação infinita de partidos políticos, e no fim das coligações para eleições proporcionais, que têm sua estreia neste ano.
Voto distrital ficou no caminho e o facultativo nem mesmo entrou na pauta. Ou seja, a reforma de 2017 ficou longe de aprimorar a relação entre representantes e representados, esses últimos só lembrados nas campanhas eleitorais.
Absurda e hipócrita, a obrigação de ir às urnas deforma o caráter cívico do voto, sendo cada vez mais driblada pela justificativa ou pela multa irrisória (em 2018 foi de R$ 3,50). Números do TSE dão conta de que um terço (32,5%) dos eleitores não compareceram ao segundo turno das eleições municipais de 2016, realizado em 57 cidades.
Há outros fatores que pesam no desinteresse do eleitor. Não é de hoje que o debate municipal, que deveria ser mobilizador por envolver o cotidiano do cidadão, vem perdendo terreno. E tende a piorar.
Quanto mais a polarização nacional se acirra, menos espaço há para questões locais. No embate internético, elas são esmagadas pela satânica mistura do terraplanismo de ideias, notícias falsas e demolição de adversários nas redes sociais, canal que passou a monopolizar a comunicação política.
Questões como postos de saúde, creches, pavimentação, calçadas, transporte público têm audiência baixíssima em um ambiente no qual a sedução se faz com apelos de baixo calão e pela destruição do outro que ousa expor um pensamento diferente.
Político algum nega a essencialidade da eleição municipal para garantir o mandato do deputado, do governador e do presidente da República que se encontrarão com as urnas daqui a dois anos. Até por esse motivo, para muitos deles é melhor que o eleitor vote no candidato aliado sem saber muito sobre ele.
Os adeptos dessa cartilha põem suas fichas na nacionalização do pleito, jogando às favas planos de governo e soluções para problemas locais.
Essa é a aposta dos dois polos extremados – à direita e à esquerda. Farão de tudo para transformar a disputa municipal em um embate entre os pró e os anti-Bolsonaro. Com isso, se safam de firmar compromissos. Desprestigiam as cidades e desrespeitam o eleitor.
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