segunda-feira, 27 de julho de 2020

Com o chapéu alheio

A semana começa com a expectativa de que o Senado ratifique o novo Fundeb, tecido, negociado e aprovado pela Câmara dos Deputados a partir de consensos com educadores e gestores estaduais e municipais. Essencial para o financiamento do ensino básico, o Fundo foi tratado com absoluto descaso pelo Executivo, mas isso não impediu que o presidente Jair Bolsonaro se vangloriasse: “o governo conseguiu mais uma vitória”. Coroou-se com louros aos quais não faz jus.

Não é a primeira vez que o presidente vende como seus méritos obtidos por outros. Assim foi na reforma da Previdência e na aprovação da ajuda emergencial para amenizar a miséria durante a pandemia. E deve se repetir na reforma tributária, para a qual o ministro Paulo Guedes apresentou uma proposta pífia, incompleta, acintosa.

Tirou proveito até das leis trabalhistas propostas, aprovadas e sancionadas pelo presidente Michel Temer, governo responsável também pela derrubada mais acentuada dos juros, em 2018, e da inflação, dois temas sobre os quais Bolsonaro bate no peito e trata como vitórias suas.

Com seu jeito escrachado de falar, entre o popular e o populacho, Bolsonaro vai assumindo autorias de feitos que não são de seu governo, recheando o discurso com um amontoado de mentiras.

No caso do Fundeb, omitiu, com natural desfaçatez, o desdém com a matéria. O governo só apresentou uma proposta três dias antes de o Fundo ir à votação. Nela, previa o adiamento da vigência para 2022, sem dizer o que poria no lugar no ano que vem, e a transferência de recursos da educação básica para o financiamento do Renda Brasil, programa de assistência social que ainda não existe.
Recuou ao constatar que, mesmo com os neoaliados do Centrão, colheria uma derrota acachapante. E tentou emplacar o discurso de que participara ativamente das discussões e da solução final. “Foi um debate muito grande e o governo fez a sua parte”, mentiu Bolsonaro, sem ruborizar.


Na Previdência deu-se script semelhante. Embora fosse parte da capa liberal utilizada em sua campanha, Bolsonaro nunca quis fazer reforma alguma. Boicotou tudo até onde pode. Só topou depois de garantir regalias aos militares, que não só conseguiram manter um sistema diferenciado, como ganharam reajustes generosos em penduricalhos extrassalariais.

Para fazer frente aos danos sociais da pandemia que o presidente sempre considerou “histeria”, “gripezinha”, “resfriadinho”, seu governo propôs auxílio emergencial de R$ 200, ampliado para R$ 500 pela Câmara. Quando já não era mais possível recuar no valor estipulado pelos parlamentares, o governo aumentou para R$ 600.

Além do escárnio de transformar uma emergência para os mais pobres em disputa política, o episódio da triplicação do dinheiro para vencer o Parlamento revelou a completa ausência de critérios técnicos para fixação do auxílio, transformado pelo governo em um leilão diabólico. O que aconteceria se o Congresso fixasse em R$ 300? O governo pagaria apenas R$ 400 mesmo podendo desembolsar R$ 600? E se fosse R$ 900, daria R$ 1.000?

Já na quarta parcela sem que muitos tenham recebido a primeira, o auxílio emergencial é vendido como benesse exclusiva do governo, sem que se dê ao Congresso qualquer naco disso. Mesmo com defeitos graves de execução, centralizado para impedir a participação de estados e municípios, o programa se tornou âncora de popularidade do presidente, que viu sua aprovação crescer nos estratos de renda mais baixa. Não à toa, sonha em perenizá-lo com outro nome.

Depois de saltar a reforma administrativa, um vespeiro em que Bolsonaro definitivamente não pretende meter a mão, o governo vê urgência na tributária, reforma prometida há mais de um ano, pela qual também não mexeu um pauzinho sequer.

Sob pressão da agenda congressual, que já avançou bastante nessa seara, o ministro Guedes jogou na Câmara uma proposta vexaminosa. Só trata do PIS-PASEP, transfigurado em um único tributo com alíquota de 12% até para setores que nunca tiveram de recolher nem PIS nem PASEP, como livros, isentos há décadas. A segunda etapa deverá ser ainda pior, com mudanças no Imposto de Renda, retirando descontos com saúde e educação da declaração, e a cereja do bolo, a criação de um novo imposto aos moldes da CPMF, incidente em transações digitais, em troca da desoneração da folha de pagamentos de empregadores.

Embora de baixo impacto na geração de empregos, conforme demonstrou estudo elaborado pelo Ipea em 2015, a desoneração da folha é cenoura que desde 2011 os governos colocam à frente dos empresários para angariar apoio. De Dilma Rousseff para cá, Temer reduziu de 38 para 17 as categorias beneficiadas com a desoneração, que termina no fim do ano ou, se o Congresso derrubar o veto de Bolsonaro, em dezembro de 2021.

Por uma CPMF disfarçada, Guedes está replantando a cenoura.

O mais provável é que o Congresso impeça as sandices do governo e aprove um sistema tributário acordado com estados e municípios, menos oneroso para a atividade produtiva e para os cidadãos. Se der certo, com o mesmo despudor a que se referiu ao Fundeb, Bolsonaro dirá que é mais uma conquista de seu governo. E uma legião de inadvertidos acreditará na balela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário