quinta-feira, 18 de junho de 2020

'Sou mais um aterrorizado do que um terrorista'

Renato Aroeira estava em seu apartamento no Leblon, sentado na mesma cadeira onde tem passado a maior parte do tempo desde que se instaurou a quarentena na cidade do Rio, quando levou um susto ao ler o noticiário dessa segunda-feira, 15. Aos 66 anos, quase 50 deles dedicados à profissão de chargista, o mineiro nascido em Belo Horizonte se viu na posição de “inimigo público” pela primeira vez na vida.

Aroeira é um dos alvos do pedido de investigação protocolado na Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. Com aval do presidente Jair Bolsonaro, o ministro solicitou, com base na Lei de Segurança Nacional, a abertura de um inquérito sobre uma postagem do jornalista Ricardo Noblat, que compartilhava uma charge sobre Bolsonaro. O autor: o próprio Aroeira.

“Fiquei muito tenso, porque apesar de já ter sido processado, é a primeira vez que sou questionado pelo Estado. Nem na ditadura militar isso aconteceu. Até então, eu tive processos partindo de personalidades, autoridades, governadores… o escambau. Mas é a primeira vez que viro inimigo público. Isso me deixou angustiado e nervoso.”


Apesar do receio de potencialmente virar alvo de uma ação criminal movida pelo Estado, o cartunista faz piada da possibilidade de ser considerado um ‘terrorista’ por ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

“Eu sou mais um aterrorizado que um terrorista. Eu sou um cara que está apavorado com a inconsequência desse pessoal do governo. Sou um sujeito que está tenso com a abertura (das medidas de isolamento), quando não era isso que a gente tinha que fazer. Eu fico atônito quando vem o presidente falar que precisa invadir hospital! É difícil a gente não ficar indignado”, disse.

A charge em questão mostra uma cruz vermelha, símbolo universal para serviços de saúde, com as pontas pintadas de preto, formando uma suástica nazista. Ao lado, uma caricatura de Bolsonaro segura uma lata de tinta preta, e diz: “Bora invadir outro?”. A sátira foi publicada após o presidente sugerir, durante uma live, que seus apoiadores entrassem em hospitais de campanha e filmassem a situação encontrada.

“Pode ser que eu esteja equivocado, mas na totalidade ou em grande parte ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”, sugeriu Bolsonaro na semana passada.

Após a fala do presidente. ao menos dois hospitais foram ‘invadidos’ por bolsonaristas, o que gerou a abertura de um inquérito por solicitação do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Pouco tempo depois do anúncio do ministro da Justiça sobre o pedido de investigação contra Aroeira, uma rede de solidariedade se formou ao redor do chargista. Companheiros de profissão, músicos e escritores lançaram a campanha #SomosTodosAroeira nas redes sociais e fizeram um abaixo assinado virtual que conseguiu mais de 10 mil assinaturas até o começo da tarde desta terça-feira.

“A solidariedade dos meus amigos me deixou muito feliz, a ponto de dar taquicardia e eu ter que tomar água com açúcar”, contou. “Embora eu seja uma ‘puta velha’ em relação a processos, esse será o meu quinto – ou melhor, seria, porque eu espero que não chegue a tanto -, eu preferia que nada disso tivesse acontecido. Nos quatro anteriores, eu perdi dois e ganhei um e meio.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário