quinta-feira, 18 de junho de 2020

Já houve golpe?

Eleito defendendo a prisão após a segunda instância, Bolsonaro agora defende que os militares sejam a última instância que pode absolvê-lo de qualquer coisa.

Bolsonaro encheu seu governo de militares para que todos acreditemos nas ameaças de golpe que ele faz todo dia. A última foi através de nota assinada pelo presidente, o vice e o ministro da Defesa dizendo que as Forças Armadas não são obrigadas a aceitar interferências indevidas de um Poder no outro. A nota referia-se às possibilidades de cassação de chapa presidencial pelo TSE ou de impeachment no Congresso.

Pode ser blefe, e deve ser. O comando do Exército não assinou a nota. Se tivesse assinado, o título desta coluna não teria ponto de interrogação.


Afinal, dizer "não faça isso ou eu dou um golpe" já é uma ameaça de golpe, assim como "me dê seu dinheiro ou eu te assalto" já é tentativa de assalto. Se alguém, em qualquer das instituições que fiscalizam o presidente, tiver sido intimidado pela ameaça, o golpe já aconteceu.

E é mau sinal que as instituições não se sintam confortáveis para dizer "vai lá, Jair, tente a sorte, vamos ver se você consegue dar seu golpe, veja o que vai acontecer com você".

Era o que diriam para qualquer presidente que não tivesse milhares de militares no governo. Se, por exemplo, Fernando Collor tivesse dito que pretendia armar a turma do artigo 142, teria sofrido impeachment na terça, sido preso na quinta e torturado na sexta para dizer que foi tudo um plano do Lula.

O que essas notas "não vai ter golpe, mas não derrubem o Jair" fazem é garantir imunidade ao presidente da República. Se não pode ser cassado pelo TSE, ele pode fraudar eleições. Se ele não pode sofrer impeachment, pode cometer crimes de responsabilidade dia e noite, como vem cometendo.

Se ele pode aparelhar a Polícia Federal impunemente, então não haverá mesmo denúncias contra ele. Se ele pode ameaçar a imprensa sem perder o mandato, não há nada que lhe impeça de continuar exercendo pressão até que ela faça efeito.

Pense em todos os políticos corruptos que foram denunciados nos últimos anos. Escolha aquele de quem você gosta menos, aquele contra quem havia provas mais sólidas. Ele não teria sido denunciado se pudesse jogar a carta do golpe.

Como vimos, o comando das Forças Armadas não assinou a carta. Mesmo assim, em uma República funcional, os militares desmentiriam Bolsonaro de forma clara, citando-o nominalmente, para dizer que os tribunais decidirão sozinhos sobre a chapa, o Congresso decidirá sozinho sobre o impeachment, e militar que virou político que aprenda a brigar só com as armas da política.

Se não o fizerem, serão corresponsáveis pelos abusos que Bolsonaro planeja cometer se puder intimidar as instituições com ameaças de golpe.

E, independentemente do que as Forças Armadas fizerem, é triste ver a quantidade de militares que aceitam participar desse desastre de governo. Ver um militar chefiando o Ministério da Saúde que manipula dados é triste.

Esses generais-políticos do governo querem ser poder moderador da República? Não conseguiram moderar nem o Bolsonaro. Porque, de duas, uma: ou fracassaram em moderá-lo ou, se isso aí já é uma versão moderada, foram irresponsáveis quando apoiaram alguém tão extremo em 2018.
Celso Rocha de Barros

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