sábado, 20 de junho de 2020

O homem branco português afinal é mestiço

É sempre bom lembrar que, assim como a Democracia, a conquista dos direitos humanos nunca é definitiva – deve ser uma luta constante. O racismo, a xenofobia, a homofobia e a violência de género são pensamentos e ações cada vez com mais visibilidade e razão de conflitualidades nas sociedades atuais – e Portugal não é exceção.

O relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância sobre Portugal merece ser lido com muita atenção, pois o país não fica muito bem na ‘fotografia’.

Vejamos algumas reflexões com base neste documento:

-Âmbito legislativo: é preciso criar (e aplicar) leis criminalizando (no Código Penal) a expressão pública da ideologia racista. Ironicamente, Portugal tem no Parlamento um deputado – em franca ascensão política, sinal de que há milhares de portugueses que pensam como ele – com intervenções declaradamente racistas, principalmente contra a comunidade cigana. Além disso, o líder do maior partido da oposição afirma sem corar que não há racismo em Portugal.

– Alto Comissariado para as Migrações: maior e melhor atuação, nomeadamente com campanhas direcionadas aos grupos de imigrantes que mais sofrem discriminação, informando sobre os seus direitos como cidadãos e indicando os organismos públicos onde podem fazer as denúncias.

– Forças de segurança. É sempre um tema polémico. Em primeiro lugar, é preciso desconstruir a (falsa) ideia de que a Polícia (enquanto instituição) é racista; o correto é admitir que há policiais racistas. É um pequeno grupo, mas os seus atos discriminatórios e de violência – principalmente contra os negros – tem um impacto muito grande na perceção (negativa) que a sociedade tem da atuação das forças de segurança. Para alterar essa situação, são necessárias algumas mudanças: política de tolerância zero, punindo severamente os agentes que cometem atos racistas; formação inicial e contínua dos agentes, nomeadamente sobre multiculturalidade e Direitos Humanos; intensificar o diálogo e a cooperação com os grupos mais expostos ao racismo e à intolerância.

– Educação: melhorar o acesso à educação, aumentando a taxa de escolaridade, nomeadamente dos alunos de meios carenciados, imigrantes pobres e ciganos, grupos que mais sofrem o processo de exclusão social. A educação deve formar as crianças e jovens dentro dos princípios de respeito pela diversidade. É importante notar que o racismo não é herdado geneticamente – é um construto social, é um comportamento, é um processo de aprendizagem, nos contextos familiar e escolar.

– Habitação: melhorar efetivamente as péssimas condições dos bairros degradados, sem condições mínimas de habitabilidade, locais onde vivem maioritariamente pobres, imigrantes, população de origem africana e ciganos. Esses locais não podem servir apenas para (algumas) autoridades e altos representantes do Estado e do governo, em ocasiões de conflito e/ou na altura do Natal, irem tirar ‘selfies’, levando atrás os holofotes da televisão.

Para terminar, uma mensagem especial aos ‘brancos racistas portugueses’, aos que defendem uma hierarquização dos indivíduos com base nas suas diferenças físicas e comportamentais herdadas. Do ponto de vista biológico-genético e antropológico, não existem ‘raças’, apenas uma gama enorme de variações de traços físicos entre os seres humanos. O ‘branco’ não existe: a formação étnico-racial da nação portuguesa é resultado de um profundo processo de miscigenação de diferentes povos. O ‘branco’ português é, na verdade, um mestiço.
Donizete Rodrigues, sociólogo da Universidade da Beira Interior

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