No segundo caso, o ex-deputado Roberto Jefferson, que reapareceu há poucas semanas para reforçar a tropa de choque do presidente, entoa um discurso de guerra civil, dizendo que já estaria “desenferrujando” seu revólver para enfrentar os que tentarem ir às ruas contra Bolsonaro.
Por último, temos o presidente assumindo publicamente no vídeo da fatídica reunião ministerial que a conversa de armas para defesa da família e propriedades não passava de fachada, já que sua intenção de "escancarar a questão do armamento” é para que seus apoiadores possam pressionar (armados) todos que fazem críticas ao seu Governo.
Tudo isso se torna ainda mais grave visto que não estamos diante de nenhuma ameaça externa. As únicas crises são gestadas pelo próprio Governo. Longe de repudiar esses ataques, Bolsonaro os municia garantindo que não precisem recorrer a revólveres enferrujados nem a munições velhas.
Desde o início de seu mandato, sabendo que não teria apoio popular nem votos necessários para mexer na lei de controle de armas, Bolsonaro realizou flexibilizações via decreto para facilitar a aquisição (dispensando comprovação de necessidade), aumentou a potência de armas que civis podem comprar, liberando calibres e armas como carabinas semi-automáticas antes de uso exclusivo das forças de segurança, multiplicou —por meio da portaria citada por ele na reunião de ministros— por 12 o limite de munição anual para cidadãos comuns (de 50 para 600 unidades), além de facilitar recargas de munição caseiras, que não são rastreáveis. Soma-se a isso, a recente e injustificável determinação de cassar portarias do Exército que traziam normas técnicas para melhorar a marcação e rastreabilidade de armas e munições, aprimoramentos fundamentais para a elucidação de crimes, comprovando o perigoso uso político da Presidência em seu ataque às normas que combatem o tráfico de armas e contrariando sua suposta intenção de combate ao crime.
Só no primeiro ano de Governo foram mais de 50 mil novas armas vendidas no mercado civil. O grupo de CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), em que se enquadram os integrantes do vídeo do início do artigo, reúne sozinho um arsenal de quase meio milhão de armas, segundo o Exército, e vive um crescimento exponencial de integrantes estimulados pela série de "privilégios” que o presidente Bolsonaro não para de conceder. Desde que ele assumiu, este grupo conseguiu aumento no limite de armas —atiradores esportivos podem ter até 60— e também aumento da validade de seus registros, o que na prática implica em prazos de até 10 anos para refazer uma avaliação psicológica ou apresentar um novo atestado de antecedentes. Conseguiu ainda permissão para ter fuzis e comprar até 180 mil munições e 20 kg de pólvora por ano para recarregar munições em casa.
Aliar este arsenal de proporções irracionais à violência política pode gerar resultados explosivos. O “vamos fuzilar a petralhada” anunciado pelo atual presidente na campanha de 2018 já era violento e antidemocrático quando proferido. Com milhares de armas a mais em circulação deveria despertar urgência na atuação dos órgãos competentes.
Vale lembrar que, ainda que a Constituição vede a presença armada em manifestações, tivemos recentemente um caso em São Paulo em que um militante pró-Bolsonaro disparou contra uma jovem após uma desavença na avenida Paulista. Em 2015, manifestantes de um acampamento pró-ditadura militar já haviam realizado disparos contra a Marcha de Mulheres Negras em Brasília. E, mais recentemente, houve casos de disparos contra apartamentos que realizavam panelaço no bairro paulistano de Perdizes.
O incentivo a uma retórica política violenta e o armamento de facções para defesa de governos não encontra lugar em Estados democráticos e hoje é visto nas milícias de apoio ao Governo Maduro na Venezuela, com acampamentos, treinamento militar e armas.
Bolsonaro fez sua campanha afirmando que elegê-lo seria evitar que o Brasil se transformasse em uma Venezuela, mas todos os seus passos, ataques à imprensa, paranoia de ameaça estrangeira e discurso de intimidação de qualquer força que questione o seu Governo o colocam cada dia mais próximo de Nicolás Maduro.
Bruno Langeani
Bruno Langeani
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