sexta-feira, 5 de junho de 2020

A esperança vencerá a asfixia

Asfixia vem do grego asphyxía, ou “sem pulso”. A impossibilidade de respirar que leva à falta de oxigênio no organismo. Causada por algum impedimento mecânico de causa fortuita, violenta e externa. Um joelho na garganta? No dicionário, há ainda o sentido figurado de “asfixia”: sujeição à tirania; opressão e privação de certas liberdades.

Por 11 vezes em oito minutos e 46 segundos, com o pescoço espremido pelo joelho de um policial branco com mão no bolso, o ex-segurança negro e pai de família gritou. "I can’t breathe". Desempregado pela pandemia, preso por usar numa mercearia uma nota falsa de 20 dólares, Floyd foi morto por asfixia. “Parada cardiopulmonar agravada pela compressão do pescoço por um agente da lei”. No sentido figurado, Floyd foi morto pelo racismo e autoritarismo no governo Trump. "O papai mudou o mundo", disse sua filhinha de seis anos, Gianna, com esperança e sorriso nos olhos. Eu me emocionei.



O Brasil também não consegue respirar: 70% se sentem oprimidos pelo desrespeito de Bolsonaro aos mais de 32 mil mortos pelo coronavírus e suas famílias. Provocados pelo riso pérfido, o cavalo, as tochas, a gravata do fuzil, a louvação ao preconceito, o copo de leite supremacista, o desprezo por pobres e negros, o altar oferecido à ditadura e a seus torturadores. Os brasileiros de bem se revoltam com faixas por intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF. Se indignam com a morte bárbara do adolescente negro de 14 anos João Pedro, dentro de casa, no Complexo do Salgueiro, comunidade do Rio de Janeiro, com granadas e tiros. 

Não existirão jamais respiradores suficientes da Conchinchina para fazer essa nação respirar enquanto Bolsonaro e seus filhos estiverem desgovernando. O grito sufocado vem das famílias enlutadas. Morrer desse vírus não era o destino de seus queridos. O grito ecoa nos hospitais de campanha, jamais concluídos por incompetência ou corrupção. O grito vem de profissionais da saúde sem equipamento e sem salário. O grito sai das favelas sem água, sem casa, sem emprego, sem comida e sem segurança. O homicídio do Estado é culposo ou doloso? Primeiro ou terceiro grau? 

Bolsonaro veta ajuda federal para o combate à pandemia, enquanto sua secretaria de comunicação é acusada de financiar sites de fake news e pornografia. Que morram mesmo da gripezinha, é o destino de todo mundo e daí, é Messias mas não faz milagre, não é coveiro mas incentiva o contágio, não quer ministro da Saúde que não seja o general interino e servil. É um plágio de Trump até no mau uso da Bíblia. 

Por que o grito da maioria não está nas ruas e não há manifestações de resistência pacífica civil como nos Estados Unidos? Vários motivos. O primeiro é o temor legítimo do contágio. Continuamos a bater recordes, não chegamos ao pico do luto. Outro medo é o da cilada. Bolsonaro e sua turma adorariam que infiltrados promovessem quebra-quebra e vandalismo, dando munição contra os “antifascistas terroristas, marginais e baderneiros”. Terceiro receio é o da violência das “forças da ordem”. Ou alguém acha que policiais brasileiros se ajoelhariam e abraçariam manifestantes contra racismo e Bolsonaro? "Don’t shoot!"

Há aplicativos que ajudam a respirar. Uso um toda noite para dormir. "I have a dream". Ao despertar, quem sabe essa família que cultua o ódio e que deforma a imagem do país terá sido deposta. E Bolsonaro estará assim limitado a uma definição crua nos livros de História: o presidente mais desumano já eleito no Brasil. Lamento, mas esse será seu destino. Não é o destino de todos os presidentes, mas será o seu. A esperança vencerá a asfixia.

Ruth de Aquino

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