sexta-feira, 1 de maio de 2020

Nós não somos um caso perdido

Quando digo nós, eu me refiro aos seres humanos, humanos de verdade, que, diante da covid-19, perceberam que estaremos subjugados e em ritmo acelerado de extinção se não respirarmos o oxigênio da empatia, da solidariedade e da humanidade. E se não mudarmos nossas prioridades no dia a dia. A medicina jamais conseguirá inventar uma vacina contra o desprezo pela vida. 

Em meio ao luto e dor de toda uma nação, “os bolsonaros” treinam disparos de armas de fogo, exercitam sua onipotência e exibem os dentes em esgares sarcásticos. São inumanos. Estão condenados e não adianta rezar. Mesmo que os outros poderes, republicanos e alertas, acabem capitulando a podres negociatas, a História não trairá o Brasil. Os milhares de cadáveres cobrarão a conta também dos covardes. Eles não dormirão mais.

Não somos um caso perdido. Sepultaremos todas as ondas de delírios totalitários. Não precisamos de respiradores artificiais para sentir que o ar político do Brasil está contaminado. Irrespirável. O mundo não consegue entender que nossas manchetes, em tempos de pandemia, sejam trocas sucessivas de ministros & afins para piorar ainda mais o governo e blindar o presidente e seus filhos. Ficou claro quem manda na pauta. São os robôs sem alma. Os zumbis. Para eles, dedico o bonequinho que vomita verde.

Por favor, não me mandem memes com as hienas no Poder e seus asseclas burros e servis. Não consigo mais perder tempo com o exército da morte. O povo se aglomera nas filas do desespero por R$ 600, sob chuva e sol, dia e noite. As máscaras dos humildes escondem sua impotência, fome e abandono. Nunca ficou tão escancarada a absurda desigualdade no Brasil. Só a desumanidade e a ignorância explicam que um em cada três brasileiros ainda apoie esse desgoverno.

Nossos deserdados estão com medo de morrer em casa, sem socorro e sem diagnóstico. São milhões de brasileiros à deriva, os invisíveis que nos servem em tempos “normais”. Levam tiros de traficantes, milicianos e policiais, são iludidos, assaltados e perdem suas vidas e casas de risco nas enxurradas. Muitos não aprenderam a ler e escrever. Enquanto isso, muitos outros, besuntados de dinheiro e arrogância, talvez nunca aprendam a amar. Esses sim são um caso perdido.

Para os que desejam se salvar, recomendo ler o texto "O amanhã não está à venda", elaborado a partir de três entrevistas do líder indígena Ailton Krenak, em abril, para O Globo, Estado de Minas e Expresso, de Lisboa. Krenak é autor do livrinho azul "Ideias para adiar o fim do mundo". Nasceu no vale do Rio Doce.

“Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser?”, pergunta Krenak. “O mundo está agora numa suspensão. E não sei se vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos. É como um anzol nos puxando para a consciência. Um tranco para olharmos o que realmente importa”. 

O futuro é aqui e agora, podemos não estar vivos amanhã. “Tomara que não voltemos à normalidade”, escreve Krenak, “pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. Seria como se converter ao negacionismo, aceitar que a Terra é plana e que devemos seguir nos devorando. Aí, sim, teremos provado que a humanidade é uma mentira”.

Que tombem rápido os falsos messias e os profetas do mal. Temos de parar de vender o amanhã. Precisamos reinventar o Brasil. Nós não somos um caso perdido.

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