quinta-feira, 16 de abril de 2020

'Todos os silêncios são cúmplices e têm uma quota parte de responsabilidade'

É mais conhecido pelo romance O Velho que Lia Romances de Amor, mas também o poderíamos apresentar como o escritor que nunca se cansa de denunciar. Ao longo da sua vida, com 70 anos cumpridos em 2019, e do seu percurso literário, cheio de sucesso e leitores, o escritor chileno Luis Sepúlveda tem chamado a atenção para crimes, atrocidades e violações que acontecem um pouco por todo o mundo, a começar pela sua América do Sul. Na última edição das Correntes d’Escritas, o escritor, morto ontem em Madri devido ao coronavírus, voltou a apontar o dedo, agora aos órgãos de comunicação social europeus que têm silenciado a morte de inúmeros ativistas ambientais. Contra o pessimismo do presente, Sepúlveda contrapõe a “imaginação”.

Chamou-lhe a notícia mais terrivelmente silenciada…
Luís Sepúlveda: E é. O número de ecologistas, ambientalistas e responsáveis de parques naturais e reservas indígenas assassinados tem vindo a aumentar nos últimos tempos. Os meios de comunicação social europeus não sabem ou preferem não falar sobre o assunto. Por vezes há uma ou outra referência, mas sem o nome dos envolvidos. Tudo faz parte de uma política repressiva levada a cabo por alguns governos latino-americanos, sobretudo os do Brasil e da Colômbia. Estamos perante uma nova forma de fascismo, com um ator novo: algumas igrejas evangélicas provenientes dos EUA. As suas visões do mundo são completamente loucas, às vezes lembram os talibãs do Afeganistão.

É um silêncio cúmplice e criminoso?
Absolutamente. Todos os silêncios são cúmplices e têm uma quota parte de responsabilidade. Para compreendê-lo basta lembrar quem são os proprietários dos meios de comunicação social: acionistas dos grandes bancos, donos de multinacionais, latifundiários. Como não há resposta política forte, tudo fica encoberto. São mortes terríveis, mas é como se nada se passasse.

Ao correr do seu livros denunciou muitas situações destas. A História está a repetir-se?

A história tem, de facto, uma dimensão cíclica. Os avanços são importantes, mas os regressos manifestam-se terrivelmente. Há cinco anos ninguém acharia possível que os livros voltassem a ser proibidos num país ocidental. E, no entanto, isso está a acontecer, por exemplo no Brasil. Obras que fazem parte do património da humanidade estão a ser afastadas dos leitores. E lembrem-se: da proibição dos livros à proibição das pessoas é um passo muito pequeno.

Antes da Primeira Guerra Mundial um jornal dizia que as pessoas estavam entediadas, alertando para o perigo que daí podia advir. O que está a acontecer hoje às pessoas para permitirem isto tudo? Estão distraídas?

Oxalá seja só isso, distração. Temo que seja algo mais. A evolução do capitalismo levou-nos a um extremo do neoliberalismo. Com ele veio a cultura da precariedade que atirou as pessoas para uma espécie de fatalismo. Ninguém acha que as coisas vão melhorar, antes pelo contrário. O sentido é que tudo vai ficar ainda pior. É terrível. Não se concebem soluções, só desgraças. Daí o discurso contra os políticos, a base de qualquer populismo.

Que papel podem ter os livros neste contexto?

Um papel importantíssimos, porque eles ajudam-nos a desenvolver a imaginação. Com ela somos capazes de ver além do dia-a-dia, do aqui e do agora. Só com imaginação é possível pensar um futuro diferente e tentar concretizá-lo.

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