A mudança de comportamentos leva geralmente tempo, mas o impulso solidário civil foi imediato: de prédios onde os vizinhos não se conheciam, brotaram movimentos para proteger os mais velhos das saídas para compras e farmácia. Nas famílias disfuncionais, telefonaram-se parentes que se organizam em tempo recorde para pôr os avós a salvo. Em Itália – logo que a catástrofe se impôs – ouviram-se vozes que cantavam à varanda, tentando fazer com que a esperança fosse a última a morrer. Nas redes sociais, surgem movimentos para proteger os mais pobres, assim como os direitos de quem não tem casa e os de quem está para ficar sem ela. Criam-se campanhas de donativos e crowdfunding. Reconhecendo o papel das artes na saúde mental coletiva,
No plano político, será interessante ver como, da esquerda à direita, o apelo consensual é, em situação de emergência, a mais Estado Social (mais saúde pública, apoios, intervenção social, regulação da economia) e cuidado com o próximo. No plano europeu, a discussão em torno de como a UE vai gerir esta crise parece evidenciar, aos olhos do cidadão-comum, a importância de um bloco justo, humano e solidário, que honra os valores basilares. A indignação face às infelizes declarações do ministro das finanças holandês veio dar sinais de um novo tempo que conserva bem viva a memória da Europa austera, da troika obscura, ineficaz e castigadora dos mais pobres – como até Christine Lagarde (então presidente do FMI) acabou por admitir – e se recusa a repetir a dose. Não estamos, europeus, dispostos a tolerar as mesmas desumanidades. Num cenário em que Portugal bateu, ainda há meses, o recorde de abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu –apenas 31 em cada 100 portugueses com direito a fazê-lo foram votar – será de acreditar que, se as eleições fossem este mês, mais pessoas quereriam saber? Poderá este momento resgatar o sentimento cívico, de cidadão europeu, nacional, mundial? Eric Klinenberg, diretor do Institute for Public Knowledge da Universidade de Nova Iorque, estima que a pandemia possa ser o fim do nosso romance com a sociedade de mercado híper-individualista, por expor a fragilidade de um sistema económico assente no pensamento individual. Ao mesmo tempo, situações como esta parecem ajudar a evidenciar o peso da política na vida de todos: aspiramos a uma sociedade mais culta e consciente perante as filas para a ponte 25 de Abril – aspirando, assim, a mais investimento em cultura e educação -, sonhamos com mais valorização da ciência e saúde enquanto aplaudimos, todos juntos, à varanda – sonhando, assim, com mais investimento na saúde e investigação científica – e pedimos mais humanismo e pensamento coletivo – pedindo, com isso, um sistema bem longe do “cada um por si” neoliberal global. Quando o medo toca às portas todas, compreendemos instantaneamente aqueles que fogem, aqueles que temem e aqueles que lutam, mostrando que, afinal, sabemos todos fazê-lo maravilhosamente. Seremos capazes de levar isto connosco para o futuro?
Não sabemos quanto tempo durará a crise, mas sabemos que será profundamente dura e difícil para todos. Resta-nos tentar garantir que aprendemos com ela.
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