sábado, 18 de abril de 2020

A síndrome de Caim

A demissão do Ministro Mandetta ocorreu na segunda-feira. O ritual consumado confirma: a teocracia é o novo sistema de governo brasileiro, fundamentado na encarnação da divindade no governante. O Presidente se acha investido nesses poderes.

Primeiro sinal: o candidato se apresentou como Salvador/Messias, eleito por parcela do eleitorado que acreditou e outra que votou no “menos pior”.

Segundo sinal aconteceu quando o candidato sofreu grave atentado. Sobreviveu: milagre e predestinação.

Terceiro sinal veio de uma atitude de fé respeitável: utilizar o jejum e a oração como remédios para matar um vírus ainda não vencido pela ciência. Trata-se de gesto de solidariedade humana que deve ficar circunscrito à religiosidade individual.

Quarto sinal: o chefe de Estado, o líder tem o dever de, no exercício do poder, pacificar, conciliar e formar consensos, com vistas no futuro do País. Mas não é Profeta. Nem tem o dom da Graça para conduzir o povo à Terra Prometida.


No entanto, o Presidente revelou aos olhos de uma nação perplexa que, ao longo de quinze meses, gastou tempo, energia e confiança ao criar conflitos pessoais, nacionais, institucionais e internacionais. Sem contar com o clima permanente de beligerância contra inimigos diabólicos, imaginários, e agora, invisíveis.

Ressalte-se, ainda, que a narrativa de Mito não se confunde com os personagens simbólicos dos povos e sim, literalmente, com a mentira que se apropria dos seres humanos como enfermidade: a mitomania.

Mito, o poeta Fernando Pessoa define como “o nada que é tudo”.

O quinto sinal vem da Síndrome de Caim que, na narrativa bíblica, mata seu irmão Abel por inveja, levando às últimas consequências a frustração do desejo de ser reconhecido pelos atributos de sua própria vítima.

O destino de Mandetta, o herege, estava selado: arder nas fogueiras inquisitoriais pelas suas reconhecidas virtudes e não pelas suas possíveis falhas. A propósito, a mais grave falha de Mandetta foi conduzir com acertos, sensatez, racionalidade e fraternidade, a tarefa gigantesca de salvar o máximo de vidas, ameaçadas por uma calamidade mundial. Mal sabia o Ministro da Saúde que estaria cometendo um crime imperdoável, aos olhos da presidência: tornou-se admirado pela população. Para isso, não há perdão.

Ministros, o recado está dado. Cuidado com a avaliação das pesquisas de opinião: o teto é a mediocridade turbinada por uma personalidade a merecer devida atenção dos especialistas em patologias comportamentais.  

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