sábado, 21 de março de 2020

Bolsonaro, um risco ambulante

Que Jair Bolsonaro não tem nenhum preparo para ser presidente nós já sabíamos desde antes da eleição. Mas, como o povo é soberano e o povo o escolheu para nos liderar, restava a esperança de que seu mandato transcorresse sem maiores regressões.

Ele tentaria impor sua agenda obscurantista, mas as instituições resistiriam. Alguns retrocessos seriam inevitáveis, mas ao menos as ideias mais aparvalhadas não chegariam a materializar-se no nível de leis e emendas constitucionais. Mesmo a regulamentação infralegal, que depende só da caneta presidencial, poderia ser desfeita pela Justiça nos casos mais gritantes, como de fato ocorreu.

Isso, porém, é passado. Agora, tudo mudou. Topamos com um cisne negro —a Covid-19 e seus desdobramentos econômicos— que exigiria um governante à altura dos desafios. Alguns líderes crescem na crise. Bolsonaro não é um deles.


A pergunta que se coloca é como vamos neutralizá-lo. A solução definitiva seria o impeachment. Até o mês passado, o que o protegia do afastamento era a inexistência de uma forte piora da economia. Bem, a crise chegou.

A dúvida é se, em meio ao turbilhão que se instalou, o Congresso vai ter energia para dedicar-se a um impeachment. Pelo menos por ora, creio que não. O que deve ocorrer, agora que até ministros já perceberam que não dá para confiar em Bolsonaro, é uma articulação informal para fazer um “by-pass” do presidente. Os chamados adultos da sala deixariam o homem falando para o núcleo cada vez mais reduzido de apoiadores e se entenderiam para tomar as decisões importantes.

Pode funcionar, mas não sem incertezas. O despreparo de Bolsonaro é não só intelectual como emocional, o que o transforma num risco ambulante. Nada impede que amanhã ele rompa com a China ou, num surto de ciúmes, demita o ministro da Saúde, que comanda uma das poucas áreas racionais do governo.

O voto tem consequências.

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