sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Rondônia manda recolher livros de Machado de Assis e Nelson Rodrigues, e depois recua

A Secretaria de Educação de Rondônia mandou recolher 43 livros das escolas da rede pública estadual e depois voltou atrás. Entre as obras, estavam as de autores como Machado de Assis, Ferreira Gullar, Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Franz Kafka e Edgar Allan Poe.

No fim do dia, a secretaria enviou uma nota informando que recebeu a denúncia de que "haviam livros paradidáticos com conteúdos inapropriados" nas bibliotecas . Por conta disso, prossegue a nota, "a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da literatura".

"Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas", afirma o texto. Leia a nota completa no fim do texto.


A determinação de se recolher os livros foi revelada por conta do vazamento de um ofício interno assinado pelo secretário estadual de Educação, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu.

— Técnicos da secretaria estavam fazendo um estudo e de repente alguém entrou numa página e já publicaram — disse o secretário ao GLOBO.

No ofício, o governo pede que os servidores "verifiquem os kits de livros paradidáticos às escolas para compor o acervo das bibliotecas" e "procedam com o recolhimento dos mesmos imediatamente". A justificativa é a de que as obras contêm "conteúdo inadequado às crianças e adolescentes".

A lista de livros tem títulos como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis; "A vida como ela é" e "Beijo no asfalto", de Nelson Rodrigues; "Contos de terror, de mistério e de morte", de Edgar Allan Poe; "O castelo", de Franz Kafka; "Macunaíma", de Mario de Andrade, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, além de livros de Carlos Heitor Cony e 19 trabalhos de Rubem Fonseca. Há ainda a seguinte observação: "Todos os títulos de Rubem Alves devem ser recolhidos".

O secretário chegou a afirmar ao site Rondônia Dinâmica que o documento era falso. O GLOBO confirmou, no entanto, que o ofício consta no Sistema Eletrônico de Informações (SIE), classificado como sigiloso.

O texto do ofício ressalta a importância de "estarem atentos às demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas para uso de atividades escolares, a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimento e desconfortos".

Rondônia é governada pelo Coronel Marcos Rocha (PSL), aliado do presidente Jair Bolsonaro.

Educadores do estado já haviam reclamado de um ofício de setembro em que a secretaria de Educação determinava que qualquer realização de "debates, palestras, seminários" dentro das escolas da rede estadual só podem acontecer após autorização da pasta. A justificativa é a de que é preciso "avaliar a pertinência do tema proposto".

— Qualquer tema de debate aqui tem que passar pela secretaria antes — afirma um professor.

A Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (Seduc) esclarece que recebeu uma denúncia que nas bibliotecas das escolas estaduais haviam livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público alvo, alunos do ensino médio.

"Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares.

Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas.

A Seduc reforça o compromisso com a Educação e reconhece que os livros são obras de autores consagrados a nível mundial e cumprem um papel importante para uma construção social, prova disso foram os extraordinários resultados dos alunos da rede pública estadual no último Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, além de diversas ações e investimentos que foram feitos recentes para o início do ano letivo.

Serão tomadas todas as medidas necessárias para investigar o vazamento das informações internas equivocadamente documentadas.

Solicitamos aos servidores que verifiquem os kits de livros paradidáticos encaminhados às escolas para compor o acervo das bibliotecas, os livros relacionados no Adendo ID (10053329), e procedam com o recolhimento dos mesmos imediatamente, tendo em vista conterem conteúdo inadequado às crianças e adolescentes.

Na oportunidade, ressaltamos a importância de estarem atentos as demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas para uso de atividades escolares, a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimento e desconfortos."

Autores que teriam livros recolhidos: Caio Fernando Abreu, Mário de Andrade, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Carlos Nascimento Silva, Rubem Fonseca, Ivan Rubino Fernandes, Euclides da Cunha, Nelson Rodrigues, Ana Lee, Sonia Rodrigues, Rosa Amanda Strausz, Machado de Assis, Franz Kafka, Edgar Allan Poe e Rubem Alves.
O Globo

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