Há um consenso entre os que defendem o ajuste liberal da economia. Pausa ligeira: “Há algum outro, Reinaldo?” Dizem que sim, mas não é o objeto deste texto. Meu assunto é política. E esse consenso nos diz que é preciso dar continuidade às reformas. O Estado brasileiro tem de gastar menos. É preciso diminuir a fatia do Orçamento comprometida com desembolsos obrigatórios. Os estados seguem quebrados.
A nova tábua de salvação para chegar à terceira margem do rio, consta, é aprovar a PEC da Emergência Fiscal, dando ao governo a licença para cortar jornada e salários do funcionalismo. De saída, parece uma resposta óbvia, mas não é trivial. Pensamos em alguns nababos do serviço público, e a resposta parece boa e moralmente justa, mas é sabido que isso acarretará, se a medida for posta em prática, a queda na qualidade dos serviços que o Estado presta aos mais pobres.
Uma ilustração: o governo Bolsonaro cortou a zero a dotação orçamentária do programa Casa da Mulher Brasileira para vítimas da violência. O presidente aplaudiu a decisão da ministra Damares Alves. Na expressão do nosso líder, “a Damares está sendo 10 nesta questão, não é dinheiro, recurso. É postura, mudança de comportamento que temos que ter no Brasil, é conscientização”.
Deve fazer sentido em alguma esfera inalcançável pela lógica convencional: corta-se o dinheiro para a mulher agredida na esperança de que o agressor tome consciência de seu comportamento inadequado. Estamos na esfera da “revolução moral”, certo? Os brasileiros precisam se emendar, como diria o jornalista Alexandre Garcia, com o endosso de Bolsonaro. Estivessem aqui os japoneses, e seríamos a maior potência da Terra. O pior do Brasil são os brasileiros.
Executivo, Legislativo e Judiciário dão largada a 2020 na certeza de que é imperioso enfrentar as reformas administrativa e tributária. Há um rascunho da primeira. O governo, até agora, não disse o que pretende para a segunda. Mais uma vez, pretende-se largar a bucha no colo do Congresso, e Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre que se virem, enquanto as milícias digitais do presidente continuam a massacrá-los nas redes sociais.
O que quer Bolsonaro? Na sua mais recente manifestação sobre aquela máxima de “mais Brasil e menos Brasília”, nós o vimos a desafiar os governadores a abrir mão do ICMS sobre combustíveis, hipótese, então, em que ele próprio renunciaria aos impostos federais. Bravata! Tal renúncia implicaria um aumento de R$ 27,4 bilhões no rombo das contas públicas. Bolsonaro estava apenas dando mais uma contribuição à crispação política inútil.
Eu não sei — mas ninguém sabe, o que não me contenta — como se procede ao ajuste drástico das contas, precondição, dizem, do crescimento, sem que se promova, nessa travessia, uma precarização ainda mais radical da vida dos pobres, o que sempre traz desdobramentos políticos. E, desde já, fica o convite: se alguém tem a pedra filosofal, que compartilhe. Tenho a impressão de que a equação, como está, não fecha. Importar os japoneses e mandar embora os brasucas não parece ser moralmente aceitável.
Talvez a ministra Damares tenha descoberto a vereda da salvação. A abstinência como barreira à gravidez precoce e à expansão das doenças sexualmente transmissíveis pode funcionar, assim, como metáfora e norte moral também na economia. Esse nosso povo tão mal acostumado, tão entregue a paixões — que, como lembraram Bolsonaro e Paulo Guedes, resultam em doenças que impactam os cofres públicos —, precisa ser menos Estado-dependente.
Está faltando coragem ao governo Bolsonaro para confessar que o modelo precisa de mais Brasil e de menos brasileiros.
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