Quem pesquisa a história do vasto reino de Santa Cruz, depara-se com um capítulo pouco convencional. O texto - totalmente apócrifo, porém não menos verossímil - nos conta sobre um rei inseguro que buscava se afirmar. Reproduzo aqui o que li.
"Numa manhã de Abril, bateu às portas do palácio real um alfaiate. Os arautos de sua majestade correram para anunciá-lo como o maior conhecedor de alta costura para monarcas. Houve quem afirmasse que o homem vinha de terras muito distantes, e por isso seu nome fora até então desconhecido; houve quem jurasse que o homem de nada entendia de agulha e linha.
Fato é que o rei apressou-se em convidar o desconhecido para ser seu costureiro real. Em troca, o homem deveria conceber até o final daquele ano as vestes mais luxuosas que um monarca poderia ter. No afã de parecer mais "real", o rei não desconfiou que o suposto alfaiate de fato nunca tocara num brocado ou cosido qualquer fio de classe. Tarde demais.
Jorge Cerqueira |
Os meses seguintes foram de destruição. Aliado ao Mago da corte - um desses rasputins que sopram ao ouvido de todo soberano - o Ministro resolveu derrubar todas as estátuas de um tal Paulo Freire, então patrono nacional da alfaiataria e falecido havia mais de duas décadas. Chamando de mau gosto o que via de mau gosto, vociferou que súditos mal vestidos só podiam ser obra do defunto em questão. Disse que o homem havia sido feio em vida, e que nem os pombos eram dignos de lhe pousar na efígie. Chamou-o de energúmeno, mas continuou sem produzir a veste que prometera.
Com mais poderes que nunca, o Ministro da Alfaiataria passou então a cortar recursos das universidades de todo o reino. Com bombons na mão, afirmava que estudantes tramavam contra o rei e usavam os campi para plantar ervas proibidas. Mérito seu, há que se admitir, o Ministro reintroduziu no reino expressões até então em desuso, como foi o caso de "balbúrdia" e "égua sarnenta", em referência à mãe de seus opositores. Entretanto, enquanto se ocupava com assuntos vocabulares, parecia não avançar nos trajes prometidos ao rei.
O caos que parecia não ter fim deu lugar à uma cerimônia solene. Em nome da moral, da ordem e do civismo, o Ministro instituiu as Alfaiatarias Militares, onde jovens aprendizes seriam tutelados por soldados da reserva. Afinal de contas, o que mais se deve aprender que não sejam os símbolos pátrios? Enquanto a ideologia grassava, nada de veste real.
Ao final daquele ano, ainda sem seus prometidos trajes, o rei resolveu convocar seu Ministro para uma audiência. Queria saber como andava a encomenda e, sobretudo, o que fora feito do ouro que havia sido empenhado. Ao chegar ao palácio, sem medo na face e carregando um imenso baú, o Ministro finalmente revelou a seu soberano a tão esperada vestimenta. Mas, a não ser por um punhado de ideologia e falação, o baú estava completamente vazio.
Sem querer provar-se ignaro, o rei apressou-se em dizer que nunca vira vestes tão estupendas, tão dignas de um monarca. E assim, como numa onda, todos os senescais, vizires e menestréis da corte de Santa Cruz passaram a ecoar as maravilhas da nova roupa do rei, feita de um tecido tão raro e por mãos tão habilidosas que apenas a gente sensível - e fiel - poderia ver. Quem nada visse, diziam, ou era rude ou rebelde.
Quando saiu em procissão pela grande esplanada da capital, o rei estava nu em pelo. Resoluto, marchava carregando um rifle e sua coroa, mas nada que lhe cobrisse as vergonhas. O povo ali presente aplaudia e gritava palavras de ordem àquele que passava então de homem a mito. O alfaiate-de-faz-de-conta já estava longe dali quando um menino, tomando coragem, resolveu gritar:
— O rei está nu! (versões alternativas, entretanto, afirmam que a fala foi "O MEC parou!").
Nunca se soube ao certo se o encanto realmente se desfez, e se o povo de Santa Cruz viu que não havia roupa qualquer a cobrir seu monarca. Há quem jure que o desfecho ainda esteja por escrever.
Moral da história: Ser rei não te desobriga a enxergar o vazio.
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