Pinçadas algumas exceções, boa parte delas vindas do combate à corrupção e da força das ruas, viramos coadjuvantes de cenas de bipolaridade explícita que desde o embate PT x PSDB envenena o ambiente político. Agora, com doses cavalares de cicuta adicionadas pelo bolsonarismo.
O primeiro artigo que escrevi aqui tratava do Dia da Consciência Negra, transformado em feriado nacional por Lula, que se aproveitava da data e dos negros para adicionar fermento à sua popularidade, ingrediente que sempre orientou cada movimento seu, cada palavra dita. De lá para cá, o inventor do presidencialismo de palanque continua usando os mesmos expedientes. E, ainda que não mais encante tanto as multidões, tem em Jair Bolsonaro um senhor aprendiz.
Bolsonaro, que quando não tem com quem confrontar briga com ele mesmo, não vai para a rua. Usa o palanque digital, testado e aprovado no ano passado. Mas, assim como Lula, joga com um linguajar para cada público, modula o tom ou esbraveja quando lhe convém. Ativa os seus com o jogo mais primário do populismo: derrotar o inimigo, agora de carne e osso. Lula faz o mesmo, com o microfone nas mãos desde que o STF o soltou.
Nada chega perto do que o Brasil precisa para pelo menos sair da marcha à ré. Ganhos como os da nova Previdência tema de diversos artigos nestes meus 10 anos -, que o Congresso Nacional conseguiu fazer andar, se perdem na instabilidade política e jurídica, cada vez mais aguda. Outras reformas reincidiram neste período, como a política tida e havida como a mãe de todas, mas condenada a jamais parir ou a tributária e a eleitoral que, embora para lá de necessárias, funcionam como matérias diversionistas, usadas para mudar o foco do debate dependendo da conveniência do governante de plantão.
Nem mesmo a área econômica do governo atual, única que parece compreender a urgência do país, consegue dar sinais claros. Fala em privatização e não a faz. Prega novos impostos e dá corda para opositores com a hipótese de um absurdo desconto no salário-desemprego.
A miséria que em 2009 Lula e depois sua afilhada Dilma Rousseff diziam ter dizimado não passou de matemática fajuta para nutrir palanques eleitorais, e o badalado crescimento econômico da era de ouro do lulismo não se sustentou nem por um biênio. O público se confundiu com o privado, a desigualdade se aprofundou. Aquele Brasil que construiu estádios bilionários para a Copa do Mundo já havia sido goleado muito antes do 7 x 1.
Minha década passou pela ascensão e queda de Dilma Rousseff - a criatura que Lula talvez preferisse não ter inventado -, responsável pela crise da qual o país ainda não emergiu. Pela ocupação das ruas em 2013. Por Aécio Neves, que quase chegou lá e, pego com a boca na botija negociando milhões, sumiu e prefere continuar no anonimato. Por Michel Temer, que até poderia ter dado certo não fosse a trama novelesca iniciada ao ser gravado por Joesley Batista em um estranho encontro, fora da agenda, na garagem do Palácio do Jaburu.
Pela prisão e a soltura de Lula a partir de uma generosa interpretação do STF sobre um tópico constitucional no qual já havia firmado, por quatro vezes, entendimento contrário. Por um Bolsonaro que só enxerga sua família acima de tudo.
O país que se imaginou mais maduro ao punir gente graúda no Mensalão e na Lava-Jato agora assiste a interpretações cada vez mais frouxas das leis. Para beneficiar poderosos. Vê retrocessos na agenda ambiental e comportamental, no respeito ao diferente, ao outro. Testemunha perigosos arroubos autoritários e inadmissíveis limites à liberdade.
O conjunto não é animador. Mas, longe de lamentar, creio que é possível transformar, achar caminhos, fazer acontecer. Depende de cada um de nós. Continuo uma otimista, cada vez mais incorrigível.
Mary Zaidan
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