Começamos a conversar sobre nomes e destinos e acabamos, quase sem dar conta, discutindo a difícil situação de Angola e do mundo. Quando me queixei dos dias que correm, Janaína saiu em defesa deles. Fiquei surpreso, pois são poucos aqueles que defendem estes dias. A maioria das pessoas mostra mais carinho e simpatia pelo passado ou pelo futuro do que pelo presente. O presente é muito desvalorizado.
Fui forçado a dar-lhe razão. Angola enfrenta muitos problemas — milhões de desempregados, uma sociedade dividida entre uma larga maioria de pessoas muito pobres e uma estreita minoria de gente extremamente rica; assistência médica precária e um péssimo sistema de ensino público etc. Contudo, já vai sendo difícil encontrar alguém descalço nas ruas das principais cidades. O mesmo acontece no resto do continente.
“O teu problema é que tens mais sapatos do que pés”, dizia-me a minha avó, sempre que eu me queixava sem um motivo sério. Depois contava-me a história do Joãozinho Centopeia, que nascera com três pernas e três pés, de forma que quando precisava comprar sapatos ficava com um a mais. Acho que ela inventava aquelas histórias, as quais, de resto, seriam impublicáveis nos dias que correm. E pronto, lá estou eu a queixar-me dos dias que correm. Venho tentando não o fazer, juro. Lembrar-me da história de Janaína ajuda-me. Lembrar-me da minha avó também. Elas estão certas: por um lado o mundo já foi um lugar pior, guerras por todo o lado, ditaduras e miséria extrema. Por outro, na maioria das vezes as nossas queixas (as minhas queixas) são fúteis. Afinal de contas, tenho sapatos. Tenho, inclusive, mais sapatos do que pés.
José Eduardo Agualusa
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