quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Mais 600 mil entram em situação de extrema pobreza

A extrema pobreza aumentou no ano passado. Após dois anos do fim da recessão, os efeitos da crise continuam a aumentar a parcela dos mais pobres na população. Estudo exclusivo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, mostra que 7,22% da população ganhavam cerca de R$ 90 por mês no ano passado. A parcela era de 7% em 2017. São mais 600 mil pessoas nessa condição vulnerável, somando 15 milhões.

- O dado surpreende, já que a massa de rendimentos totais cresceu 4% no ano, mas a renda dos 5% mais pobres caiu 3,7% - afirma Neri.

Já a pobreza, medida por quem ganha R$ 233 por mês, ficou estável de um ano para o outro, permanecendo em 12,17%. Como a população aumentou, entraram na pobreza mais 200 mil pessoas. Atualmente, temos 25,3 milhões de pobres no Brasil.


O melhor momento desse indicador social foi em 2014, quando a parcela da população nessa condição era de 9,8%. Para voltarmos a esse patamar vai demorar, segundo Neri.

- Se o Brasil crescer 2,5%, sem que a desigualdade aumente, só em 2030 voltaremos ao mesmo patamar de pobres de 2014.

Segundo o economista, a perda dos mais pobres foi muito intensa desde 2014. Embora o ganho médio salarial tenha voltado aos níveis de 2014, o recorte por renda é muito desigual. Enquanto o 1% mais rico viu os ganhos subirem 9,4% de 2014 a 2018, a renda dos 5% mais pobres caiu 39,3%.

A medida do governo federal de dar uma décima terceira parcela aos que ganham Bolsa Família ajuda, mas é menos eficiente do que o reajuste do benefício:

- Quando se reajusta o valor, a faixa para se tornar elegível ao programa aumenta, incluindo mais famílias. É preciso chamar a atenção para a pobreza. Esse tema está fora do debate. Há uma certa insensibilidade.

O pedreiro Francisco das Chagas Mendes, de Teresina, saiu do emprego em 2017, onde ganhava cerca de R$ 1 mil. Mas não apareceu outro emprego com carteira e a saída foi fazer bico de pedreiro.

Conseguiu trabalho em junho, na casa do cunhado, mas o próximo trabalho só apareceu este mês. O ganho foi de R$ 600, dividido com o auxiliar. Dinheiro insuficiente para sustentar a mulher, o filho e quatro netos que moram com ele:

— O dinheiro simplesmente sumiu, e os serviços foram ficando mais difíceis. E a minha família é grande. Só Deus explica como garanto a sobrevivência de minha família.

Na avaliação de Daniel Duque, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), é necessário que o governo crie meios de combater não apenas a desigualdade, mas também a pobreza. Segundo ele, a concessão do benefício do 13º salário para beneficiários do Bolsa Família tem impacto apenas em um trimestre, o que não resolve a pobreza estrutural do país.

— Além da desigualdade, temos que observar a questão da pobreza. Temos um problema de que o Bolsa Família, se não reajustado, vai perdendo o valor, mesmo com a inflação estando mais baixa. O (13º do) Bolsa Família vai ser só em um trimestre. E essa é a única política de fato que esse governo está implementando (nessa área) — afirma.

Segundo Neri, o nível da desigualdade, harmonizando dados de pesquisas anteriores, é o mesmo de 2009. Toda a queda registrada desde então foi anulada pelo aumento da concentração.

— O ano de 2015 foi de subida forte da desigualdade, aumentando menos entre 2016 e 2017 e voltando a subir forte em 2018. A pobreza vem crescendo no mesmo ritmo desde 2014, o ponto mais baixo da série — diz Neri.

A extrema pobreza sobe também em consequência da perda de renda das famílias que recebem o benefício. Houve queda de 14,3% da renda dessas famílias desde 2014. O ganho per capita passou de R$ 398 para R$ 341.

Entre os domicílios onde não há pessoas recebendo o auxílio, a queda foi muito menos intensa no mesmo período — 2014 a 2018 — de 1,4%. São lares que estão entre os 10% mais pobres e com muito menos acesso à água encanada e tratamento de esgoto do que os domicílios que não recebem o benefício.

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