sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A porra da árvore

Nesta terça-feira (1º), numa tentativa de elevar sua estatura como estadista, o presidente Bolsonaro subiu numa cadeira e discursou para um grupo de garimpeiros na entrada do Palácio do Planalto. Segundo ele, a campanha estrangeira em defesa da floresta amazônica não quer saber da preservação ambiental ou da proteção aos índios. E, de acordo com sua ideia do nível de sofisticação de sua plateia, declarou: "O interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore. É no minério!".


A maneira de Bolsonaro se referir à árvore é injusta. A árvore não é uma porra. É verdade que contém uma seiva que, à visão desarmada, pode ser confundida com o esperma --ambos são espessos, aderentes e viscosos. Mas a semelhança acaba aí, e Bolsonaro, matuto de origem, sabe disso. Seu uso de "porra", portanto, só pode ter se dado na forma chula, significando, segundo o Aurélio, "enfado, impaciência, desagrado". É o que as árvores lhe provocam, donde estar dedicando seu mandato a transformar o Brasil num pasto ou numa Serra Pelada sem volta. Deve isso aos patronos da sua candidatura.

O jovem Bolsonaro certamente se aplicava em chutar árvores, desfolhar galhos ou urinar em canteiros. Mas, se cursou a escola fundamental, talvez tenha aprendido que o Brasil nasceu de uma árvore: o pau-brasil, cujo ciclo econômico durou pouco, pela exploração irresponsável que o levou à quase extinção. Bolsonaro não gosta dos índios, mas sua mentalidade tem algo em comum com a deles --também é extrativista.

Quanto à porra, expressão que usou para desmerecer a árvore, é bom lembrar que, na origem, Bolsonaro também já foi uma. Pelo menos, foi chapinhando nela que se cruzaram os genes que o formaram. Em respeito ao leitor, vou me abster de entrar em detalhes.

Basta dizer que, embora talvez Bolsonaro não acredite, o processo de sua fecundação foi o mesmo que gerou o cacique Raoni.
Ruy Castro*

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