Não causa escândalo. No país da Grande Depressão, o conflito mais expressivo ou evidente é tenebrosamente político. Por exemplo, há grande disputa pelo controle de instituições do sistema de Justiça, do Supremo ao moribundo Coaf, passando por Ministério Público e Polícia Federal.
Lavajatistas, bolsonaristas e a uberdireita (que quer fechar ou tomar STF e Procuradoria), grupos no Congresso e os diversos partidos da Justiça, todos batem-se pelo poder arbitrário de mandar gente para a cadeia, de fugir da polícia ou de decretar o esbulho de direitos civis, quem sabe políticos. Os direitos sociais já vão para o vinagre por inércia.
Sim, lamenta-se de modo vazio o desemprego, que não terá melhora notável até 2022, se der tudo certo. Há quem se anime com o aumento do número de pessoas trabalhando, mais 2,2 milhões de um ano para cá. Mais de 80% desses novos empregos são da categoria “empregado sem carteira assinada” e por “conta própria”.
A soma (“massa”) de todos os rendimentos do trabalho cresce no ritmo mais lento desde agosto de 2017, ao passo de 2,2% ao ano. No mínimo, o zero à esquerda dos salários deveria preocupar quem quer a ressuscitação do PIB, em tese desejo geral. Nem isso.
A penúltima manifestação trabalhista de nota ocorreu em abril de 2017, contra a reforma da Previdência. A última foi o caminhonaço dos amigos de Jair Bolsonaro, o que ajudou a arrebentar o país em 2018.
A reforma trabalhista passou quase sem um pio. Assim foi o fim da contribuição sindical obrigatória, último e maior interesse da burocracia sindical carcomida.
A nova massa de trabalhadores, que vive de bico, não tem sindicato ou quase representação de outra espécie. Os celetistas estão apavorados. Até o privilegiado e militante funcionalismo federal está quieto diante do talho iminente prometido pelo governo Bolsonaro.
Houve protesto contra esse ministro da Educação, que fez questão de desdourar a pílula do corte de gastos com disparates atrabiliários, corte que era um arrocho no governo inteiro. No mais, a emergência social e a ameaça de colapso do governo federal mal são assunto político, no sentido maior do termo.
Decerto as saídas são mínimas, mas não é disso que se trata aqui. A conversa sobre os problemas materiais limita-se a um debate sobre reformas, em geral de elite. Os salários, o trabalho que vira bico em 80% dos casos ou a ruína dos estados, nada disso motiva política organizada do povo miúdo e de seus ausentes representantes.
Há risco alto de que, em 2020, universidades federais tenham de fechar, que falte subsídio para remédio popular e dinheiro para livro didático, isso em um país de governos que gastam quase 40% do PIB por ano.
É um espanto que essa desgraça toda não se transforme em protesto. Ou talvez se transforme, de modo caricato ou monstruoso.
Um pilar da eleição de Bolsonaro foi o pensamento de que “quebrando o sistema”, em particular a corrupção, as coisas e as contas se resolvem. A facção mais extremada desse grupo imenso enfatiza mesmo é o quebra-quebra institucional, fechar ou dominar o Supremo etc. O país se politiza ao extremo, no extremo satânico da ideologia que cobre de névoa os problemas sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário