Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, pendurou na vitrine do cristal líquido algo muito parecido com a defesa de um autogolpe. "Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos", ele escreveu. Já não sabe "se isso" —a transformação— vai mesmo "acontecer". Enxerga fantasmas poderosos ao redor. "Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!"
Simultaneamente, Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, revelou-se um atirador-ostentação. Deixou-se fotografar armado ao lado do leito hospitalar em que o pai convalesce da quarta cirurgia pós-facada. Foi como se desejasse avisar aos navegantes que não está para brincadeira. O gatilho de Dudu surgiu horas depois de Jair Bolsonaro ter divulgado um vídeo para avisar que estaria de volta ao "batente" já nesta terça-feira. Na prática, dará alta para Hamilton Mourão, liberando-o informalmente da interinidade. O capitão também vê inimigos escondidos na alma dos amigos.
Os sobressaltos vêm se repetindo há oito meses e dez dias. Você faz um inventário das suas preocupações e pensa: "Hoje, dormirei tranquilo..." E descobre que tem que se preocupar com a dinastia Bolsonaro. Num instante, o presidente estilhaça a imagem do Brasil, ofendendo governantes estrangeiros. Noutro, Carluxo junta-se a Olavo de Carvalho, o bruxo da Virginia, para derrubar mais um general do ministério. De repente, Dudu, o embaixador, surge na Casa Branca, rogando ao ídolo Donald Trump que proteja a soberania brasileira na Amazônia.
Difícil identificar um proveito político e econômico que compense o que a primeira-família está fazendo com os nervos do país e com a paciência dos investidores estrangeiros que gostariam de iniciar, ampliar ou consolidar investimentos no Brasil. Quando se imagina que os problemas deram uma folga alguém exclama: "Soube da última do Bolsonaro?" Ou: "Viu o penúltimo tuíte do Carluxo?"
Vivo, Darwin diria que a família Bolsonaro é a confirmação da teoria da evolução. O homem de Neandertal dispunha de uma caixa craniana maior. Mas não tinha a linguagem dos Bolsonaro, embora o grunhido às vezes seja parecido. Vivia em comunidades semelhantes às atuais, só que sem a selvageria do WhatsApp e das redes antissociais.
O objetivo da evolução era dar voz à humanidade, nome às coisas e um enredo para o universo. Por tentativa e erro, os Bolsonaro constroem a sua própria retórica. Ainda não se sabe que história desejam contar. Por vezes, parecem ter dificuldades para lidar com as palavras. Mas acabarão encontrando o vocábulo certo. Nem que o vocábulo seja "fim".
Os Bolsonaro foram muito além do ancestral das cavernas. Não dominam apenas o fogo. Controlam um tipo especial de energia. Como admite Carluxo, talvez não consigam transformar o país. Mas já sabem como fazer do trono uma cadeira elétrica.
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