Aquela reportagem me deu dores de cabeça. A notícia havia sido dada pela imprensa brasileira. Eu a contei para o jornal lembrando que se tratava da aquisição de um território do tamanho da Holanda e da Bélgica juntas. Uma verdadeira loucura que transformou o empreiteiro brasileiro no maior latifundiário do planeta. No seu território, comprado por uma ninharia, corriam 28 rios e havia várias reservas indígenas e aldeia inteiras.
Eram terras do Estado que nunca poderiam ter sido vendidas. Foi preciso a intervenção do então ministro da Justiça, Renan Calheiros, do Governo de Fernando Henrique Cardoso. Verdade ou não, Rego também era acusado de envolvimento em episódios escabrosos como assassinatos, ocultação de cadáveres, atos de escravidão e formação de quadrilhas paramilitares. O novo dono daquela imensidade da Amazônia andava acompanhado então de 14 homens armados e o juiz do caso era escoltado dia e noite por dois policiais.
No território amazônico —que eu nunca soube como o milionário conseguiu adquirir, pois era oriundo de uma família muito pobre que havia enriquecido com contratos de obras de construção com o Estado— havia na época enormes tesouros naturais como reservas de diamantes, ouro e a maior reserva de mogno do planeta, então avaliada em 7 bilhões de dólares.
Meu artigo levou este jornal a publicar um editorial lembrando que, ainda que respeitada a soberania brasileira sobre a Amazônia, aquele santuário ecológico, de algum modo “era responsabilidade de todos” pela importância ambiental que constitui para toda a humanidade.
O empreiteiro e latifundiário Rego devia ter boas relações com o Governo, pois recebi uma carta do então embaixador brasileiro em Madri em que tentava me explicar quais publicações devia ou não consultar e apreciar para o meu ofício de correspondente
Respondi delicadamente que nunca teria me permitido explicar a um embaixador como devia exercer sua delicada missão de diplomata e que eu conhecia meu ofício, pois tinha 30 anos de profissão, dos quais mais de 20 como correspondente. Pouco depois o advogado do novo proprietário dos 7 milhões de hectares da Amazônia me telefonou, fazendo observações sobre minha reportagem. Disse-lhe que a melhor solução seria que ele me organizasse uma entrevista com Rego. Respondeu que ele não queria se encontrar pessoalmente comigo, mas que poderia conversar por telefone. Assim foi. Mostrou-se muito amável e tentou me convencer de que havia comprado legalmente aquele enorme território da Amazônia.
Perguntei-lhe por que queria comprar tanta terra. Respondeu: “Eu nasci lá e minha mãe enterrou o cordão umbilical naquela terra”. Voltei a perguntar-lhe se era necessário adquirir um território como a Bélgica e a Holanda juntas. E me respondeu com candura: “Já que decidi comprar, comprei tudo”.
O que o empresário milionário deveria ter então eram boas informações até dentro deste jornal em Madri. Ele me recriminou que eu tinha escrito o editorial em que se afirmava que a Amazônia era responsabilidade de todos e não apenas dos brasileiros. Expliquei-lhe que neste jornal os editoriais não têm autor. E que a responsabilidade final era do diretor e que ninguém sabia quem os escrevia. E ele respondeu com certo ar de orgulho: “Pois nós sabemos que foi o senhor”. Tinha razão, embora nunca soube como ele ficou sabendo.
Não fiquei surpreso, portanto, que ele tivesse amigos poderosos que o ajudaram a ser dono daquele tesouro de sete mil hectares de uma terra quase sagrada que é de todos os brasileiros e que ninguém tem o direito de se apropriar dela.
Tudo isso para lembrar aos jovens jornalistas brasileiros, aos quais dedico esta coluna, que há 20 anos a questão da Amazônia era tão quente fora do Brasil quanto os incêndios que hoje a destroem e que continua sendo tão mal administrada pelos governos como sempre. Será esta a vez em que a guerra na qual se meteu o presidente Jair Bolsonaro, como um elefante em uma loja de cristais, e que desafiou a diplomacia mundial, que o país tomará consciência do tesouro e da responsabilidade de que deve prestar contas não apenas aos brasileiros, mas ao mundo?
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