Ficar por aí falando mal da oposição de agora, por exemplo por vir sendo largamente derrotada na reforma da previdência, embute uma dose de oportunismo político. Não que oportunismos sejam proibidos na política, mas fica aqui o registro necessário. O andamento da previdência até que vem sendo razoável, graças também ao desejo do presidente da Câmara de mostrar alguma autonomia. E no Legislativo a oposição vem mostrando flexibilidade tática, com resultados.
O problema da oposição não está no parlamento, onde o chamado centrão oferece margem de manobra pontual ao antigovernismo. Está num terreno antes dominado pela esquerda e pela "social-democracia" à brasileira nos últimos pelo menos quarenta anos, se não mais. A luta ideológica, a guerra entre narrativas, a batalha das ideias, a disputa pela visão de futuro. Que necessariamente depende de como se vê o passado. Bolsonaro propõe um reset nisso aí.
Ao longo das últimas quatro décadas o debate político-ideológico estava organizado mais ou menos assim. O golpe de 1964 tinha sido ruim, por suprimir a democracia. As diretas já e Tancredo-Sarney, bem como a Constituinte, foram bons, por fazer retornar a democracia. Os militares não darem palpite na política era bom. Bons também eram os movimentos sociais e as organizações da chamada “sociedade civil”, por injetarem participação social no poder.
O colapso dessa narrativa se revelou finalmente e pôde ser medido em números quando fracassou em grande estilo a política petista de "frente ampla democrática” no segundo turno presidencial. Se não tivesse sido abandonada na reta final da campanha, provavelmente Jair Bolsonaro teria colocado não dez, mas uns vinte pontos de vantagem sobre Fernando Haddad. Era o que diziam as boas pesquisas quinze dias antes da decisão.
Esse colapso tem raízes objetivas, incluído aí o desaparecimento do que em tempos imemoriais se chamou "burguesia nacional”. Um segmento terminado de finalizar pela Lava Jato. E subjetivas, incluído o pânico instalado nos mecanismos de reprodução social ideológica pela possibilidade de perenização do PT no poder. Bolsonaro sintetiza de um jeito algo primitivo, quando diz “ter salvo o Brasil do comunismo”. No fundo, o antibolsonarismo de salão concorda.
A recente artilharia verbal do presidente acabou por confirmar o viés lisérgico das análises que supuseram ele ter se enfraquecido com a vitória esmagadora da previdência na Câmara. Ultrapassada a primeira cancela das dúvidas sobre a principal medida econômica, Bolsonaro voltou-se para o objetivo principal: a instalação ou reinstalação da hegemonia operacional sobre o aparelho de Estado, e da hegemonia político-cultural. Que precisam sempre andar juntas.
A artilharia verbal do presidente abre caminho para o avanço da infantaria na máquina estatal e para o acirramento das batalhas na nova “rua”: as redes sociais. Enfrenta, claro, a resistência crescente de ex-parceiros institucionais e sociais que agora percebem não haver lugar para eles no assim chamado projeto. É uma resistência prevista. Mas o combustível bolsonarista também é bom: a rejeição absoluta ao passado recente.
Na ofensiva ideológica do bolsonarismo, esse passado produziu apenas estagnação e recessão econômicas, não reduziu significativamente a desigualdade, disseminou e entranhou a corrupção e colocou em risco a liberdade individual. A resistência, ao evocar a apenas a velha política da Nova República, e a Constituição de 1988, realimenta o discurso de que Bolsonaro é o “novo&" que veio dar um jeito nas desgraças produzidas pelo cada vez mais distante ancien regime.
Até porque a narrativa bolsonarista trata de alguns problemas reais. E enquanto seu discurso for recebido como simples enfileirar de bizarrices ele não enfrentará resistência digna do nome.
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