Um bom exemplo disso em medicina são as sangrias. Durante milhares de anos, do antigo Egito à América oitocentista, sangrar pacientes foi um dos principais tratamentos utilizados. Embora possamos conceber duas ou três afecções em que a redução da volemia seja benéfica, não há hoje dúvida de que as sangrias mataram muito mais gente do que salvaram. Vítimas ilustres incluem George Washington e Mozart.
Os médicos, porém, juravam que o método funcionava. Eles enxergavam sucesso porque, para quem concebia a doença como um desequilíbrio humoral, tirar o “excesso” de sangue fazia todo o sentido. Outros tratamentos populares eram provocar vômitos e diarreias.
A história só muda no século 19. Em 1828, o médico francês Pierre Charles Alexandre Louis publicou um estudo demonstrando com números que as sangrias eram inúteis no tratamento de pneumonias.
Eu adoraria poder escrever que os médicos se dobraram ao peso das evidências e abandonaram a prática milenar. Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário, eles resistiram, preferindo a tradição e suas experiências pessoais às contas de um francês obscuro. Aos poucos, porém, à medida que novas teorias sobre a doença ganharam força e estudos estatísticos se popularizaram, as sangrias foram sendo deixadas de lado.
A triste verdade é que somos uma espécie obstinada que, entre ideias que nos são caras e fatos, ficamos com as ideias. A melhor forma de escapar a essa armadilha é submeter nossas teses a rigorosos controles empíricos e confiar neles, mesmo que desmintam nossas “experiências pessoais”.
Hélio Schwartsman
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