E prosseguia: "Leio, também, que recebi, da Fazenda, um bilhete "enérgico". Desminta. O ministro é educado, bastante, para não escrevê-lo ao presidente. E o presidente não é educado, bastante, para receber tal bilhete". Em 10 de março de 1961, o ministro da Fazenda, Clemente Mariani, registrou uma ordem datilografada - e inusitada - de Jânio."1) Recolher ao Tesouro cédula em anexo, de um dólar, enviada pelo estudante Carlos Alberto Allgayer, do Rio Grande do Sul. 2) Já agradeci."
"Usar bilhetes não era exclusividade de Jânio, Getúlio Vargas também fazia isso", explica a pesquisadora Maria Celina D"Araújo, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). "A novidade era que a mídia ficava correndo atrás (dos bilhetes). Jânio descobriu isso. E a mídia começava a tratar a política de outra forma, como um produto a ser vendido, feito por celebridades."
Aparentemente, as mensagens, muitas vezes, não respeitavam os trâmites usuais - o presidente se dirigia diretamente a uma autarquia, por exemplo, sem passar pelo ministro. Uma delas sem data, era dirigida ao Instituto Brasileiro do Café (IBC). "Excelência. 1. Rever a norma que manda distribuir somente às torrefações o café do IBC destinado aos municípios do Pará. Estou seguramente informado de que são as torrefações que desviam o café em grão para o contrabando e o mercado negro, onde alcança o preço de até Cr$ 10.000,00 o saco. O povo paga o quilo a Cr$ 400,00. (...)
"Denúncia idônea". Os assuntos dos bilhetes eram os mais diferentes. Um determinava que o ministro do Trabalho, Francisco Castro Neves, enviasse uma equipe de fiscais do ministério e do Instituto de Previdência e Assistência dos Industriários (IAPI) a Caraguatatuba (SP). O objetivo seria checar "denúncia idônea" de violação de leis trabalhistas". "2. Quero informações precisas e notícia das providências adotadas", determina o presidente, que arremata: "3.Prazo de dez dias." Outro ordenava ao ministro da Educação, Brígido Tinoco, a nomeação do crítico José Roberto Teixeira Leite como diretor do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), "para renová-lo e dinamizá-lo".
Uma das mensagens mais curiosas, dirigida ao ministro Tinoco, mandava constituir um grupo de trabalho para traduzir palavras de uso corrente "em diversos ramos do conhecimento científico e técnico, até hoje sem correspondentes na língua portuguesa". A comissão, explicou, poderia organizar um glossário, para ser oficializado pelo MEC. "2.Inclua no grupo os escritores e filólogos Antenor Nascentes, Paulo Rónai, Aurélio Buarque de Holanda e Cavalcanti Proença", determinou.
Em outro, de 28 de março de 1961, o presidente determinava a revisão de verbetes supostamente ofensivos a "raças, povos e religiões". Quis saber, também, que o minisgtro da Agricultura instaurasse sindicância na Escola Naconal de Veterinária, para apurar as causas na mudança de seu horário de funcionamento.
Em 3 de março, depois de ler no Correio Braziliense uma notícia sobre um médico com dois empregos públicos, dirigiu-se ao prefeito de Brasília. "Verifique se a notícia é verdadeira. Se o for, o médico escolha: trabalha em um lugar, trabalha em outro, ou não trabalha em nenhum."
Wilson Tosta (O Estado de S.Paulo -14 de agosto de 2011)
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