Não sei até onde o Tuma entende de boato. Pode ser um fino psicólogo e ter altos conhecimentos sociológicos. Será então um boatólogo. Mas deve ter um largo tempo ocioso para pôr de lado tantos crimes e tamanhas bandalheiras para correr atrás do boato. É uma tarefa ingrata, como amarrar o vento ao pé da árvore. Ou encaixotar nuvem. Útil nesta época é também medir as sombras, dobrá-las e armazená-las. Sabe-se lá se um dia não vai faltar sombra!
Se o Tuma aceitou a missão convoque o Instituto Histórico. Pode começar pela história do boato. Estando para a notícia assim com a erva-de-passarinho está para a árvore, o boato consegue se infiltrar na história. Até hoje se discute se o descobrimento do Brasil foi por acaso ou não. Outro exemplo? Está aí pertinho de nós a renúncia do Jânio: nela, o que é verdade e o que é boato? A memória humana falha. Falha a nossa visão de testemunha ocular. Somos objetivos ou subjetivos?
Entre o fato e a versão, há um vácuo. No vácuo se aninha o boato. Quem entre os mortais não é um pouco mitomaníaco? Vamos analisar a propaganda oficial e separar o joio do trigo. O que é boato pra cá, o que é verdade pra lá. Epa, olha a montanha dos boatos! Boato é subproduto da verdade, ou véspera da verdade? Não vai haver confisco dos ativos financeiros! No dia seguinte, há. Boato será a antecipação da mentira oficial?
Amanhã falarei sobre a mentira, disse o vigário. Os fiéis leiam em caso o capítulo 17 de São Marcos. Virão assim bem preparados. No dia seguinte: quem leu? Todos leram, mão no ar. E o vigário: não existe o capítulo 17 de São Marcos. Então, caríssimos irmãos, vamos falar do que vocês entendem e praticam. Dito isto, Pilatos ousou perguntar, mas não ousou responder: “Quid veritas?” Hoje, a arrogância sabe o que é a verdade e ainda vai dar ordem de prisão ao boato. Assim morremos todos sufocados. Vou impetrar habeas corpus. Como podemos viver no Brasil de hoje sem uma dose de mentira?
Otto Lara Resende (Folha SP, 20 de fevereiro de 1992)
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