Numa de suas transmissões ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro disse que "ninguém aqui vai se envolver em questões de fora do país". Em seguida, meteu-se na eleição presidencial argentina, marcada para 27 de outubro. Disse ter "uma preocupação" com a hipótese de Cristina Kirchner, antecessora de Mauricio Macri, retornar ao poder. Ela "era ligada a Dilma, a Lula, à Venezuela e a Cuba. Se isso voltar, com toda a certeza, a Argentina vai entrar em uma situação semelhante à da Venezuela", declarou.
Mais cedo, numa entrevista ao SBT, Bolsonaro afirmara que considera o risco representado pela ascensão de Cristina Kirchner "mais importante" do que o flagelo da resistência de Nicolás Maduro no poder, pois a Argentina "seria uma outra Venezuela aqui no fundo".
Quer dizer: o capitão comparou um ditador venezuelano, que se manteve no cargo graças a um simulacro de eleição, com o hipotético retorno de uma presidente ao poder graças à vontade soberana dos argentinos. Igualou uma farsa eleitoral a uma campanha presidencial regular. Nivelou um pleito precedido da prisão dos opositores de Maduro, sem fiscalização e marcado pela fraude, a uma eventual alternância de poder na qual os argentinos não farão senão imitar os brasileiros no exercício do sacrossanto e democrático direito de fazer tolices por conta própria.
Qualquer presidente pode sonhar com o mito da excepcionalidade. Mas é inédita essa pretensão de Bolsonaro de converter o Brasil numa espécie de versão tupiniquim dos Estados Unidos. Faltam-lhe o topete de Donald Trump e, sobretudo, os mísseis do Pentágono para impor algum grau de submissão dos vizinhos à sua missão evangelizadora.
O mais assustador é que Bolsonaro aparentemente não está sendo cínico. Ele acredita mesmo que seu destino de glórias lhe dá o direito de exercer seu ineditismo no mundo para fins que desafiam a soberania alheia e o bom senso. Vá lá que se preocupe com a Venezuela. A ditadura de Maduro empurra para dentro do mapa do Brasil legiões de refugiados famintos. Mas o que justifica meter o bedelho na Argentina?
No discurso aos evangélicos, Bolsonaro admitiu indiretamente que outras pessoas poderiam desempenhar melhor as funções de presidente do Brasil. Mas parece considerar que sua Presidência é mais ou menos como o vinho. E tomará a forma do jarro que o Todo-Poderoso providenciar para abrigá-la. "Vocês sabem que Ele não escolhe o mais capacitado, mas capacita os escolhidos", afirmou.
Deus, como se sabe, existe e está em toda parte. Entretanto, Bolsonaro está empenhado em demonstrar que Ele já não dá expediente full time.
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