terça-feira, 30 de abril de 2019

Bolsonaro quer um país que não amarrota e não perde o vinco

As gotinhas da Esso eram brancas e as crianças Dulcora mais ainda, alvíssimas, chupando eufóricas a felicidade dos drops embrulhados um a um. Não havia diversidade, essa palavra fundamental em 2019, e lá estava nos comerciais da TV a Neide Aparecida anunciando a peruca kanekalon. Sem tatuagem, sem piercing e acima de tudo com uma virgindade à espera do casamento com Cyll Farney, conforme anunciava a Revista do Rádio, ela balançava a cabeça para mostrar que o adereço capilar estava firme. Essa propaganda das perucas Lady é das caricaturas mais risíveis da história. Não era só o cabelo, não era só a virgindade. Era tudo falso.

O Brasil da propaganda, não faz muito tempo, era a mentira mantenedora dos preconceitos nacionais, um país inteiro de cabelos lisos, gente com uma carinha assim fofa, sem homem usando piercing como na propaganda do Banco do Brasil que Bolsonaro proibiu. Preto na propaganda só os soldadinhos feitos com palitos dos fósforos das marcas Olho, Pinheiro e Beija-Flor.

Era um país em que mulher não abria conta em banco e nos comerciais só aparecia cuidando das prendas do lar, como a Dona Ermelinda, a velhinha que saía correndo feito uma louca pelas ruas do Rio porque precisava aproveitar a liquidação de flanelas, lãs e cobertores das Casas Pernambucanas. Mulher de verdade posava sorridente ao lado do novo orgasmo daquele ano, um pote de gelatina framboesa da Royal. Não fazia cara de "diva irritada", como pede a propaganda censurada do Banco do Brasil. Mulher de família fingia-se de mãe extremada e bibelô. Mentia a depressão.


O governo Bolsonaro desconhece todas as boas novidades sociais das últimas décadas, e agora quer mostrar que desconhece também as da propaganda. Pretende uma volta ao tempo em que o único produto oferecido aos negros na televisão era o henê Cilin, aquele com jingle do Moreira da Silva: "Para tingir/ para alisar/ Henê Cilin o Morengueira vai usar". Breve, proibirá comerciais de absorventes femininos.

A propaganda que Bolsonaro tirou do ar falava em tom atualizado com as novas diversidades - com exceção da que está surgindo em algum lugar neste exato momento. Tinha uma mulher careca e outra ainda, negra também, com tranças que acentuavam o orgulho africano, tudo num jeito ostensivo de afirmar que cada um faz o que quiser com o que lhe cresce na cabeça. Respeito à família é isso. O presidente achou o Banco do Brasil liberal demais na sedução à clientela jovem - onde já se viu pedir selfie fazendo "biquinho de vem cá me beijar"? Bloqueou.

O grande problema da propaganda do BB, que reunia ainda transexuais, gays e afins, era o fato de a peça - muito bem produzida - ter custado R$ 17 milhões aos cofres públicos. Sobre isso nada foi espantado. Bolsonaro, depois de atirar despropósitos em todos os cantos da atividade nacional, agora quer presidir agência de publicidade e dirigir comerciais com os valores acanhados de sua caserna moral. A propaganda oficial é o seu novo sonho de governo.

Ele busca um país onde todo mundo tenha a mesma cara de macho-hétero-branco de anúncio de Tergal, aquele tecido que não amarrotava, não perdia o vinco e que saiu do mercado pelo desinteresse de homens e mulheres se vestirem dentro desta mesma e insuportável assepsia. A moda, Bolsonaro não sabe, é o orgulho das diferenças - vidas que se vestem com um tecido que cada um amarrota do seu jeito.

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