“A mãe de uma das meninas entrou em contato com o vice-presidente do Vox porque é simpatizante do nosso partido”, conta por telefone uma porta-voz da formação nas ilhas do Mediterrâneo. “Disse-nos que tinham agredido sua filha e duas [outras] menores por volta de 9h30 da manhã. Nós lhe pedimos tudo e nos disse que denunciou [a Guarda Civil nega], depois nos disse que foi ao centro de saúde de Son Servera, mas que demorava, e foram para o de Manacor, e depois nos passa um boletim médico, mas parece que não é de agora”. Era de fevereiro. A formação elaborou outra notícia, mas com uma captura de tela desse suposto documento hospitalar em que não se via a hora nem o dia do escrito. O EL PAÍS entrou em contato com a suposta “mãe” que teria alertado o Vox, mas o número indicado não respondeu a nenhuma mensagem.
O salto para a imprensa foi imediato. O jornal regional Última Hora publicou o fato depois da nota de imprensa: “Vox denuncia que três garotas foram agredidas”. O presidente do partido, Santiago Abascal, anexou o link desse jornal em seu perfil do Twitter, com 187.000 seguidores: “Nisto é que dá a doutrinação nas salas de aula: umas feminazis enlouquecidas deram uma surra em três meninas por não engolirem suas malditas imposições. Já chega!”. A notícia se multiplicava com milhares de compartilhamentos. Horas depois, as contas do Instagram do Vox Jovens (51.000 seguidores) e do grupo Cañas por España (17.300) faziam o mesmo, com links para veículos espanhóis de âmbito nacional, através dos seus stories – pequenos vídeos que ficam 24 horas no ar. “Todo nosso apoio às garotas do Vox que foram atacadas. Este é o feminismo que diz defender os direitos das mulheres?”, diziam.
No meio da tarde, Rocío Monasterio, futura candidata do partido à prefeitura ou ao Governo regional de Madri, concedia uma entrevista ao canal Cuatro: “Denuncio o feminismo supremacista que agrediu em Palma duas menores por não colocar o lacinho. Uma teve os dentes quebrados, e outra foi arrastada pelo chão”.
O clipe da entrevista desse vídeo de três minutos foi publicado no perfil oficial do partido no Twitter – 208.000 seguidores –, onde ainda continua ativo, gerando milhares de compartilhamentos, apesar de incluir uma notícia falsa. Já soma 100.000 reproduções e foi difundido pelas contas de Abascal e da própria Monasterio. Mais alcance. Mais impacto.
No Facebook, onde o partido conta com mais de 254.000 seguidores, já alcança 142.000 visualizações, com mais de 3.000 compartilhamentos e mais de 1.000 comentários. E continua. Nesta rede social, a formação deu um passo além e transformou essa publicação em anúncio pago. O objetivo: chegar a pessoas que não tem por que seguir o partido. As tarifas publicitárias nessa rede social, usada por 23 milhões de pessoas na Espanha, variam em função da campanha. Promover um vídeo como este para que chegue a 100.000 usuários teria um custo próximo de 5.000 euros (21.740 reais). O Facebook não permite saber qual estratégia foi usada neste caso.
No sábado pela manhã, a notícia continuava se espalhando. O líder do partido nas Baleares, Jorge Campos, falou à rádio Cope e forneceu novos dados: “Estamos em contato com suas famílias. Estamos prestando-lhes todo tipo de assistência jurídica quanto às ações que a família queira empreender. [As garotas] estão nervosas, preocupadas, machucadas, recuperando-se das lesões. Abaladas, como não poderia deixar de ser”. Horas depois, não havia garotas nem lesões. Nada.
Depois das 16h, a formação de extrema direita punha fim à notícia, três horas depois de ser desmentida pelo El Diario de Mallorca: “Fomos vítimas de uma manipulação. Denunciaremos os fatos”. Os tweets do Vox Baleares e de Santiago Abascal desapareceram. A conta da formação nas ilhas publicou a retificação no Twitter e no Facebook: 10.000 seguidores. As contas oficiais do Vox – que somam mais de 600.000 – não se manifestaram.
“Os partidos têm a responsabilidade de analisar as coisas que chegam de seus simpatizantes antes de compartilhá-las em suas redes”, conta Gustavo Entrala, criador da conta do Papa no Twitter. “Isso acontecerá na campanha eleitoral. E não devemos nos esquecer de uma coisa: embora seja retificada, é da primeira mensagem que se lembra”. Há alguns dias, o jornal El Confidencial publicou que altos executivos do Facebook se reuniram no mês de janeiro com todos os partidos em Madri para tentar deter as notícias falsas nas próximas eleições.
Na última pesquisa pós-eleitoral, em 2016, estimou-se que 40% dos eleitores haviam seguido informações sobre a campanha através dos meios de comunicação e 25% através das redes sociais. Nos Estados Unidos, no entanto, dois em cada três cidadãos têm acesso às notícias por meio desses canais, conforme relatado pelo centro de análise Pew Research em 2016: o ano do presidente Trump.
Depois de sua eleição, ficaram conhecidas várias notícias falsas divulgadas pelo Facebook: como que o papa Francisco o havia apoiado publicamente. Essa invenção gerou quase um milhão de interações (comentários, compartilhados, likes...).
Há exatamente um ano explodiu o escândalo da Cambrige Analytica, um enorme vazamento de dados através do Facebook para lançar mensagens políticas aos usuários. E a bola de neve da desinformação prossegue: em outubro do ano passado, um estudo do Oxford Institute anunciou que agora as notícias falsas são compartilhadas inclusive mais do que há dois anos.
A Comissão Europeia decidiu enfrentar essa ameaça. A partir de 1º de janeiro de 2019, o Facebook, o Google, o YouTube e o Twitter são obrigados a comunicar mensalmente a Bruxelas sua luta contra as campanhas de desinformação. “O objetivo daqueles que contaminam diariamente o debate público é encontrar alto-falantes que difundam suas mensagens”, explicou o jornalista Eduardo Suárez em uma coluna neste jornal. “Este axioma deveria definir a nossa conduta nas redes. Criticar o tweet de um provocador ajuda a propagá-lo.”
O caso das garotas de Mallorca reflete muito bem a importância desses canais para o Vox. Ou, como diz Santiago Abascal no livro La España Viva: “Para nós as redes não são um instrumento, para nós elas são o instrumento, o mesmo que nos permitiu reunir tanta gente nos últimos tempos”.
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