Em outubro do ano passado, o Brasil fez uma opção política explícita (em governos anteriores, velada) por se inserir na cadeia produtiva mundial como economia periférica, lastreada na mineração predatória e na agropecuária robustecida por agrotóxicos nocivos ao homem e à natureza. Por isso os que, na prática, mais se opõem a isso, os povos indígenas, precisam ser aculturados, como quer Jair Bolsonaro. Por isso o Ibama, essa “indústria de multas”, precisa ser aniquilado. Por isso é preciso aceitar o “autolicenciamento ambiental”. Esse é o Brasil que o presidente da República foi vender em Davos, com o vibrante apoio do CEO da Vale na plateia. Insisto: não nos queixemos. Democraticamente, optamos pela barbárie.
Há pouco óleo de peroba no mercado para tanta cara de pau. Como assim? Dizer que um governo de menos de um mês não pode ser responsabilizado pelo que aconteceu? Mas, em menos de um mês, esse mesmo governo foi ágil o bastante para nomear o maior parceiro das mineradoras junto ao Congresso Nacional como coordenador político da Presidência da República no Senado Federal! O que poderia justificar um ex-deputado ser articulador político de senadores? Só vejo uma explicação plausível: suas parcerias. E o governo do Estado segue na mesma toada. Quem não se recorda do mantra do governador, durante as eleições, acerca da necessidade de simplificar o licenciamento ambiental?
Meu marido, cujo pai, engenheiro, no final dos anos 60 do século passado, levava para casa, toda semana, surubins apanhados no Paraopeba, enquanto construía os pilares de uma ponte sobre o rio, na BR–262, na divisa de Betim com Juatuba, anda a cantarolar, desolado: “Pra lá deste quintal, era uma noite que não tem mais fim”. Infelizmente, começamos a ter a sensação de que este governo, com menos de um mês, é uma “noite que não tem mais fim...”.
Isso só poderá ser revertido se nós formos para as ruas externar indignação e dizer que queremos um desenvolvimento econômico saudável, compatível com a preservação da natureza e da vida humana, com dignidade. Vimos há poucos dias populações de municípios da região do Rio Doce (que emprestou seu nome, originalmente, a essa indigitada empresa) interromperem a circulação do trem de passageiros da Vitória-Minas para protestar contra a inércia da Vale e da Fundação Renova na reparação dos danos causados pelo desastre de Mariana. É o caminho: protestar. Só assim esse governo de tendências autocráticas com verniz democrático poderá recuar de tanta insensatez.
Não sei se a origem é procedente. Atribuídos ao padre Fábio de Melo recebi, por uma rede social, os seguintes dizeres: “Vale, o teu vale é de lucros. O do povo é de lágrimas”. De toda maneira, faz sentido. Dias a fio, centenas de famílias brasileiras velarão seus mortos.Sandra Starling
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