Passada a adrenalina da batalha eleitoral e a alegria da vitória, ficam as pressões; setores e colaboradores que esperam ser recompensados pelo apoio circunstancial ou decidido, de coração ou de oportunismo, de todo tipo. E todos, é claro, julgam-se capazes de ocupar os cargos e papéis mais elevados na administração; deter o poder. E, admitido que no primeiro escalão não haverá espaço para todos, iniciam-se coalizões internas, começa o jogo de desqualificação de antigos aliados. Não tem jeito, a disputa é inerente ao momento.
E é bom se conformar porque assim será por quase todo o governo, até que nova rinha eleitoral recomece o jogo e reaglutine em torno da manutenção do poder central os interesses que se dispersaram, sem rompimentos definitivos.
Também é certo é que sempre haverá defecções, cacos e restos de relacionamento espalhados pelo caminho sem conseguir se conjugar com os outros interesses do poder. Há intolerância também internamente e as ambições se tornam inconciliáveis. Foi assim com o PMDB de Tancredo, que deu em Sarney sob a tutela de Ulysses, despertando o quercismo, desaguando, enfim, no que viria a ser o PSDB da primeira fase.
Foi assim com o “collorato” que derreteu tão logo a popularidade se esvaiu, abandonando Fernando Collor, deixando-o só, como implorou que não o fizessem. Foi assim com os tucanos, de esquerda e socialdemocratas, unidos à oligarquia do PFL; bloco que se fragmentou primeiro nas escaramuças sempre presentes entre supostos desenvolvimentistas e denominados monetaristas, depois, na disputa entre Roseana Sarney e José Serra, na sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
Não foi diferente com o PT de empolgação socialista e natureza pragmática, que logo de saída gerou rachas que resultaram no PSOL. Depois, na disputa surda entre Dirceu e Palocci, e mais tarde na emergência da confusão dilmista, que foi a assunção do PT de verdade o qual se urdiu e lascou-se por si próprio.
De modo que, antes de afundarem por efeito da oposição, os grandes blocos de poder naufragam na trama interna, pelas disputas de grupos, pelo cansaço e pela carnificina comum que se dá na sucessão do líder. É questão de tempo. Pode durar 20 anos, dois mandatos, apenas um, alguns meses… É nesse momento que se testa a resiliência do líder.
Pois o líder não é o mais preparado tecnicamente, nem o mais respeitado na relação entre os poderes ou o mais esperto para escapar às armadilhas dos inimigos. O líder é aquele que, antes de tudo, vocaliza o geral do grupo e o aglutina em torno de si.
Já se percebe esse processo nesses primeiros movimentos da formação do governo Bolsonaro, sem que se saiba, ainda, se o ex-capitão tem habilidades para reunir os seus em torno de si.
O bastidor de qualquer transição é feito desse material e isto é inerente aos jogos de poder desse momento. Nada tem a ver com honestidade e boas intenções; é da natureza humana. Tolice supor que com Jair Bolsonaro pudesse ser diferente. O tiroteio amigo despertado com a definição do nome de Joaquim Levy, acolhido com enorme má vontade, ou no balão de ensaio que fritou Mozart Neves para o ministério da Educação, que foi sem nunca ter sido, são casos típicos, sujeitos a tornarem-se apenas mais dois casos que ilustram justamente a dificuldade do poder.
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O bolsonarismo se supõe capaz de governar acima do fisiologismo e a despeito dos partidos. Indica que pode fazê-lo por meio de bancadas temáticas, que perpassam quase todas as legendas e que se autonomizam das direções partidárias. Pode ser, mas esta é uma tese que ainda deverá ser provada. Parece pouco provável, no entanto.
Porque as tais bancadas “da bala”, “do boi”, “da bola” e “da bíblia” operam por pactos mínimos, se coesionam em torno de interesses básicos e são divergentes em muitos aspectos, mesmo dentro de seus temas originais. Logo, não foram um todo monolítico, sendo eivadas de conflitos e pressões internas.
Ora, é fácil compreender: nem todo evangélico opera no mesmo software que Magno Malta, por exemplo. Nem todo deputado-delegado professa a liberação das armas, nem todo ruralista é latifundiário; nem todo latifundiário é improdutivo. Há nuances internas e nuances ainda maiores entre um grupo e os outros. A agenda da sociedade rural não é igual ao pessoal da bola; e estes não se aproximam necessariamente dos “da bíblia”, que se distinguem em muitos aspectos da moçada “da bala”.
Não será, portanto, em torno de princípios gerais que se operará a unidade política, pois são muitos, diversificados e pouco convergentes, quando não contraditórios. Sabe também Jair Bolsonaro que a ele não estarão tão livres e facilitadas as portas do fisiologismo, pois foi ele mesmo quem tratou de colocar uma trava entre elas. E morderá a língua e perderá apoio e respeito se agora recorrer àquilo que amaldiçoou com tanta ênfase.
Não foi por outro motivo que na última quarta-feira, reunido com parlamentares eleitos pelo seu PSL, Bolsonaro declarou a seus parceiros: “O parlamento é muito importante, precisamos do parlamento e precisamos, acima de tudo, dar o exemplo. […] Estamos no mesmo barco. Se eu afundar, não é vocês não, é o Brasil todo que vai afundar junto. E não teremos retorno”.
Premido por pressões dentro de casa, o presidente eleito parece ter percebido que sua alternativa de início é busca um clima de emergência e risco, onde o “pior” seja entendido como o pior para todos. É o apelo de um homem que pede compreensão, entendimento e moderação — sem ser ele exatamente moderado. É a tentativa de fazer-se o líder que coesiona seu grupo em torno de si. Resta ver se isto bastará.Carlos Melo
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