terça-feira, 16 de outubro de 2018

Verdades sobre violência na eleição

O servente de pedreiro e pedagogo Adélio Bispo de Oliveira, militante político de esquerda, tentou matar com uma facada o candidato da direita Jair Bolsonaro, do PSL, num evento político da campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais, na tarde de 6 de setembro. Um mês depois, o barbeiro baiano Paulo Sérgio Ferreira de Santana, eleitor do capitão e deputado, encerrou uma troca de xingamentos, aparentemente de natureza política, matando com 12 facadas o capoeirista e ativista negro Romuário Rosário da Costa, o Moa do Katendê, que, de acordo com a família, é militante e eleitor do Partido dos Trabalhadores (PT). Essas duas ocorrências são as únicas com autoria conhecida e já processadas em que é possível relacionar a escolha política a algum ato violento. A protagonista do terceiro caso noticiado – uma moça de 19 anos que contou ter sido agredida, quando envergava uma camiseta com os dizeres “#Elenão”, por três pessoas que a marcaram à faca com uma suástica – não teve o nome revelado nem registrou o caso na polícia, o que cobre pelo menos com o véu de dúvida a história inteira.

Ainda que o terceiro episódio seja reconhecido como um atentado de presumível empatia com o nazi-fascismo, qualquer leitor minimamente familiarizado com o noticiário policial de cada dia terá dificuldade em classificar o clima reinante nas cidades brasileiras como anormal em termos de violência por causa da realização da eleição. Portanto, o auê que o ventríloquo preso Lula, por intermédio de seu boneco Haddad, está fazendo na campanha para denunciar a insegurança de seus militantes no cotidiano ou em atos políticos é, no mínimo, exagerado.

Antes da eleição já houve momentos mais tensos, tanto de um lado quanto do outro, ambos identificados como “radicais”, que, por decisão soberana, pacífica e serena do eleitorado, ganharam no primeiro turno de domingo 8 de outubro credenciais para concorrer à Presidência da República no segundo, marcado para o próximo dia 28. Diante da evidência de que Lula/Haddad teve 18 milhões de votos a menos do que o oponente nas urnas na rodada inicial e começou a campanha para a decisiva amargando um avanço do outro, agora um abismo de 49% a 51%, 18 pontos porcentuais, de acordo com o último Ibope, não seria talvez ilógico supor que a tentativa de superar a distância abissal de intenções de voto seja forte razão para levar o denunciante a procurar pelo em ovo ou chifre em cabeça de cavalo. Algo similar às declarações de Bolsonaro, que lança no ar acusações sem provas de manipulação de pesquisas e fraude nas urnas eletrônicas, também sem fato concreto que a comprove.


O assédio moral de cabos eleitorais petistas aflitos com a situação do candidato do partido na decisão da eleição, denunciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista a Pedro Venceslau, do Estado, não se resume ao inimigo preferencial que virou noiva da vez ou tábua de salvação do náufrago. Haddad, encarnação do verdadeiro candidato, enche-se de melindres para reclamar de casos de seus acólitos maltratados por “fanáticos” que votam em Bolsonaro. Não é de todo improvável pelo clima, realmente tenso, mas não com excessos notáveis de violência, como ele reclama, que tenha, de fato, razão. Mas não há registro de que tenha criticado Zé de Abreu, autor de um post no qual reproduziu uma cena de novela em que sua colega da Globo Regina Duarte era, no papel de Helena, surrada pela irmã. Se o signatário da mensagem não pretendia, como pareceu aos desconfiados, sugerir uma punição similar à atriz no dia em que ela visitou o candidato do PSL em sua casa, o amigo do peito de Zé Dirceu não deveria ter apagado o palpite infeliz de sua rede social?

Atitude similar também foi tomada por Olavo de Carvalho ao postar mensagem atribuindo o apreço de Haddad (no caso, não no papel do presidiário) pelo incesto, quando, de fato, o petista se resumia a citar num texto dele outro autor. Mensagens como essa, de um lado ou de outro, foram copiadas em memórias de computadores de desafetos, que logo as disseminaram. Como ocorreu com Helena Rizzo, chef de cuisine do Mani, que, transgredindo regras de educação doméstica e respeito a empregados e clientes, reuniu uns para erguerem o dedo médio a outros, no conhecido e condenado insulto escatológico. Haddad, no papel de Lula, referiu-se na própria propaganda à malcriação do ancião, mas ninguém o viu, leu ou ouviu referindo-se à grosseria da moça. Se arrependimento matasse, teria havido uma avalanche de mortes nas estatísticas da violência na campanha.

Esses deslizes, frequentes em arquibancadas e botecos mal frequentados, mas condenáveis em ambientes sociais familiares, caso do debate político, não podem ser relacionados como atos de brutalidade, mas não recomendam candidatos nem eleitores. Não pega bem um candidato favorito à Presidência fingir que empunha fuzis, usando tripés de câmeras e indicadores das duas mãos. Não pode também ser considerado um gesto de contrição cristã o segundo colocado, saindo da igreja depois de comungar, maldizer o outro, negando o mais elementar dos princípios da fé que acabara de professar.

Em 28 de outubro um dos dois vencerá e o vencido será mais um cidadão brasileiro a ser governado pelo vencedor, que será o presidente de todos. Terá, assim, em suas mãos a tarefa difícil de combater a insegurança generalizada que torna a população brasileira refém de bandidos perigosos enjaulados em presídios. Milhões de brasileiros comuns, divididos entre o anti-Lula e o “Lula livre”, terão motivos para se queixar de amigos perdidos na rixa política no afã de tentarem levar seu pretendente favorito ao trono do presidencialismo monárquico.

O Fernando que não é Haddad, mas Henrique, disse na entrevista ao Estado que não aceita “coação moral” de quem agora busca seu apoio: “Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha”. Para ele, “agora é o momento de coação moral…” Subiu o tom: “Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo”. E acenou: “Há uma porta” com Fernando Haddad (PT), mas com o “outro” (Jair Bolsonaro, PSL), não.

O Fernando que não é Henrique, mas Lula e, às vezes, Haddad, ficou muito animado, esquecendo que porta não é muro, mas nem sempre está aberta. Abrir essa tal porta significaria aceitar um governo de pacificação. No artigo Novos tempos, novas táticas, publicado no Globo de hoje, o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira dá um banho de compreensão da chave que tranca essa porta, ao constatar: “Além de não reconhecer seus erros, (o PT) atrelou o destino ao de um homem na cadeia, supondo que estava repetindo a história de (Nelson) Mandela. Ao atrelar o destino a Lula, o PT escolheu o caminho mais difícil. E a esquerda saiu dividida”.

Se somarmos a bronca do ex-presidente com a incisão cirúrgica da crítica do articulista, chegaremos à plena verdade. Tenho insistido em artigos e comentários, e vale a pena repetir, para concluir: quem inventou a divisão entre nós e eles foi, de fato, Lula. E o fez para vencer a eleição contra Alckmin, em 2006. Conseguiu impor ao tucanato uma derrota histórica, na qual o ex-governador paulista teve menos votos no segundo turno do que no primeiro. Para o mesmo Lula, agora na voz do boneco Haddad, derrotar Bolsonaro, evitando que ele agregue quatro pontos porcentuais à votação espetacular de quase 50 milhões de votos do primeiro turno, o PT teria de reconhecer um fato elementar: na família Mandela a corrupta era a mulher, Winnie, e o casal se separou. Na família PT há cúmplices a mancheias na maior roubalheira da História, que resultou na quase bancarrota da Petrobrás e na maior crise econômica e social do País, com milhões de desempregados. Quanto custará reconhecer esse fato?

Vítima quase fatal da violência de verdade, que Lula/Haddad denuncia como se fosse contra o PT, Bolsonaro, a um passo da vitória, como anunciam os institutos de pesquisa, não se queixa dela. Quem reclama dela o faz para dizer que a eleição é violenta e o eleitor, fascista, cuspindo na velha e boa democracia por não ter outro meio de vencer.

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