quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Salários altos, prestígio, apoio ao estudo: lições dos países que tratam bem seus professores

No Vietnã, um professor é perguntado nos primeiros dias de trabalho sobre as metas que deseja alcançar na carreira. Quer trabalhar na linha de frente com as crianças e adolescentes? Almeja um cargo de gestão? Ou gosta mesmo de pesquisar e desenvolver técnicas e metodologias de ensino? A partir disso, professor e diretor da escola atuam em conjunto para estruturar a carreira de acordo essas preferências.

No Japão, bônus salariais, a possibilidade de acelerar promoções e a ideia de desafio tornam atrativo dar aulas nas escolas mais pobres do país. Na Estônia, a forte evolução salarial nos últimos anos e a autonomia para aplicar métodos criativos de ensino fazem da carreira de professor uma das mais cobiçadas.

Na Coreia do Sul, o alto status social dos professores combina estabilidade, bons salários e rigorosos requisitos de admissibilidade na carreira. Já na Finlândia, o salário não é dos mais altos quando comparado à média das demais profissões; mas o prestígio, sim.

O que esses cinco países têm em comum?


A contratação de professores é seletiva, a profissão é valorizada e, mais importante, a carreira é estimulante, o que atrai bons profissionais para as salas de aula. E esse foco na qualidade dos professores se reverteu em bons resultados no influente ranking Pisa, organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que avalia o desempenho de jovens de 15 anos em ciências, matemática e leitura em 75 países.

"A qualidade da educação de um país nunca será maior que a qualidade dos seus professores", definiu em entrevista à BBC News Brasil Andreas Schleicher, o idealizador do Pisa e diretor da área de educação da OCDE. E, para ter bons professores, é preciso atrair as pessoas mais talentosas para a profissão, oferecendo uma carreira desafiadora, além de boas condições de trabalho, diz Schleicher.D

Nesses quesitos, o Brasil está longe de ser exemplo. Numa pesquisa da OCDE com 100 mil professores do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos), o Brasil aparece no topo de um ranking de violência em escolas.

Soma-se a isso o fato de a profissão de professor não ter prestígio social, salários abaixo da média da OCDE, ausência de uma carreira bem estruturada e de um período mínimo de experiência prática em salas de aulas como parte da formação. Todos esses fatores puxam para baixo a qualidade da educação no Brasil, que ficou entre os 10 países com piores resultados no Pisa de 2015.

Mas o que o nosso País pode aprender com a experiências das nações que melhor tratam os seus professores?

A OCDE examinou as políticas para professores de 19 países que, além de irem bem no Pisa, revelam resultados equânimes, ou seja, não apresentam grande disparidade na qualidade do ensino para alunos ricos e pobres. Entre essas nações estão Japão, Cingapura, Estônia, Finlândia, China e Alemanha.

Embora cada uma adote modelos diferentes, alguns fatores em comum foram identificados e podem servir de inspiração:

Todos os países com melhor desempenho no Pisa adotam critérios rigorosos na formação e contratação de professores, segundo o estudo Políticas Efetivas para Professores, da OCDE.

Na Coreia do Sul e na China, interessados em dar aulas no ensino básico precisam passar por dois testes altamente competitivos - um para ingressar no curso de formação de professor e outro depois de formado, para ser autorizado a integrar o sistema de ensino.

Na Alemanha, a preparação para se tornar professor de ensino básico dura entre seis e sete anos- compreende um mestrado e, pelo menos, um ano de experiência prática em sala de aula. Além disso, os candidatos precisam passar por um processo de certificação nacional que ateste que cumprem os requisitos.

Já em Cingapura, os melhores alunos do ensino médio são "recrutados" para se tornarem professores, por meio de condições atrativas de estudo e trabalho, como a oferta de uma generosa bolsa mensal durante o período de treinamento.

A seletividade é essencial na construção de prestígio em torno da profissão de professor, diz a professora Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Na Finlândia, é dificílimo ser professor e é muito concorrido, mesmo pagando menos que profissões de mesma escolaridade, embora claro que num patamar salarial bem acima do Brasil", exemplificou Costin, que é ex-diretora do departamento de educação do Banco Mundial.

"No Brasil, deveria ser fixada uma nota mínima no Enem para entrar para os cursos de licenciatura e pedagogia, e ter um processo nacional de certificação de professores, que pode ser uma prova de avaliação docente", defendeu.

O diretor de educação da OCDE, Andreas Schleicher, destaca que os países bem sucedidos no Pisa adotam um sistemas de formação de professores que exigem um período mínimo de experiência prática em sala de aula, sob supervisão e com constante feedback.

"É importante garantir que uma parte considerável do treinamento se dê nas salas de aula das escolas, não apenas nas universidades. As salas de aula são os locais onde os professores adquirem boa parte da técnica e da qualificação. A maioria dos países com boas políticas públicas para o magistério têm um equilíbrio entre formação teórica e prática", afirmou ele à BBC News Brasil.

O período de treinamento prático varia entre os países com as maiores notas no Pisa - vai de 20 dias no Japão a alguns meses no Reino Unido, Austrália e Noruega, para um ou dois anos inteiros na Alemanha.

Costin destaca que, no Brasil, experiência prática não costuma integrar o currículo obrigatório dos cursos de licenciatura e pedagogia.

"A formação que eles recebem na universidade não prepara para uma carreira como professor. Os cursos de licenciatura e a faculdade de educação são excessivamente centrados na teoria. São divorciados da prática na sala de aula", avalia.

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