Acho que alguns elementos dificultam a abordagem do tema. Cito um: a eterna indagação metodológica --há de fato uma piora na condição psicológica dos mais jovens (mais depressão, mais ansiedade, mais suicídios) ou o que temos são mais dados e mais acesso a medicamentos?
Mesmo tipo de dúvida: existem mais gays ou os gays se mostram mais? Tem mais mulher apanhando ou mais mulher denunciando que apanha?
O fato é que os jovens —principalmente os de classe social mais alta, mas não somente— têm ao seu dispor uma maior quantidade de ferramentas e profissionais especializados neles. Com isso, um maior "discurso do mestre", como diria Lacan, sobre a "condição jovem".
Mas o fato é que, muitas vezes, parece que esse aumento de discurso especializado apenas piora a questão: uma tagarelice gigantesca enche os nossos ouvidos sobre, por exemplo, se os pais devem ou não dizer X aos filhos. Quais as consequências de mandar o filho calar a boca? Você precisa ser PhD para educar os filhos.
A especialização nos jovens parece ter criado um sintoma novo na humanidade: ser jovem é um sintoma em si. À medida que cresce o mercado de especialistas em jovens, aumenta a geração e a circulação de dinheiro "graças" ao sintoma que ser jovem implica em si mesmo. Com isso, não assumo que haja má-fé nesses profissionais, apenas descrevo um circuito de discurso e dinheiro que se auto-alimenta.
Nelson Rodrigues apontava, nos anos 1960, o surgimento da "razão do jovem" como sendo o fato de que um jovem teria razão sobre qualquer absurdo (tipo, devemos abandonar tudo e ir para a então guerra do Vietnã) apenas porque era jovem. A juventude fazia dele um oráculo a priori.
Essa lembrança nos remete diretamente a algo hoje plenamente instalado em nossa cultura que é a ideia de que jovens de 15 anos têm a capacidade de emitir opiniões críticas sobre temas complexos como amor, justiça, política, família, economia, ética e afins.
Jovens, pela própria condição (com algumas exceções), pouco entendem dessas coisas pelo simples fato de que não tiveram tempo de acumular experiências de vida.
Outra questão é a diminuição do número de filhos, logo, de jovens. Os pais, neuróticos e ansiosos, afogados no que o sociólogo Zygmunt Bauman (1925 - 2017) chamava de "medo líquido", vigiam esses infelizes todo o tempo. Atormentam os coitados, com demandas de "evolução" por parte desses mesmos infelizes. Vigiados o tempo todo, esses infelizes devem dar conta de tudo que a humanidade não deu até hoje: salvar o mundo, ser ético todo o tempo, ter afetos corretos e limpos, profissões sustentáveis ecologicamente, opiniões certas sobre temas incertos.
Tendo um ou dois filhos no máximo, esses pais inseguros e infantis (o amadurecimento é recurso escasso no mundo parque temático em que vivemos) concentram todas as suas taras e projeções narcísicas sobre os ombros desses infelizes.
As escolas em geral, por sua vez, cedem ao marketing escondendo a miséria contemporânea dos jovens.
Prometendo jovens cada vez melhores, fazem uma mistura grotesca de preparação para uma vida futura sem preconceitos, com a inteligência artificial como parceira, ao lado do ato de abraçar árvores como ética espiritual superior.
Arriscaria dizer que as escolas estão hoje entre as instituições mais perdidas na face da Terra. Não avançam um milímetro além da autoajuda e da pedagogia positiva (nome diferente para a miséria motivacional praticada em palestras no mundo corporativo).
O mundo "em rede" só piora a demanda de ser aceito. Se, antes, a ansiedade do reconhecimento e do afeto era uma "obrigação" que os ligava a um máximo de 30 pessoas a sua volta, hoje, com todos os "likes", esses jovens viram um poço de ansiedade por reconhecimento, relevância e afeto. Até a pizza que comem deve ser reconhecida como uma "pizza que vale no Instagram" ("instagramworthy").
Enfim: talvez a primeira coisa a ser feita é reconhecer que nunca existiram tantos jovens infelizes caminhando sobre a Terra. Engraçado: justamente quando o mundo se transformou num parque temático de "inteligência", riqueza, direitos, tolerância e esbanjando gente bacana.
Luiz Felipe Pondé
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