Parece não haver mais aspectos comuns entre nós, brasileiros, além da língua. Contudo, estamos em uma Babel invertida. Falamos todos o mesmo código, o português, com as variações fonéticas e as entonações típicas regionais, os sotaques, uma facilidade diante de dialetos que marcam outros povos, mas simplesmente não compreendemos uns aos outros mais. Assim não queremos.
A mesma sílaba contém princípios antagônicos no Brasil de hoje. Não se trata mais de diferir entre “vermelho" ou “azul”, fenômenos sentidos pela retina como resultado de frequências de espectro luminoso distinto, provados cientificamente pela física. A mesma vibração das cordas vocais, causada pelo ar que sai dos pulmões, impulsionado pelo diafragma, resultando em uma palavra cuja história social, ou seja, nós como povo, organizamos em um sentido objetivo. Antes, o que era um tubérculo com denominações como mandioca, aipim ou macaxeira; todos sabíamos onde o vocábulo terminaria: na mesa, na barriga, na tradição, na cozinha, na economia, enfim, na empatia pela nossa diversidade. Atualmente, a simples menção da planta nos levará à guerra entre se foi guerra impeachment ou golpe. Debate, discórdia e cizânia são o fim da conversa. Já não há mais palavra desprovida de ideologia no dicionário brasileiro.
Se todas as palavras permitem certo grau interpretação, assustadoramente o impasse é agora uma luxúria maravilhosa, e seja pela esquerda ou pela direita, manifesta o mais infernal dos egoísmos, que é cada um cuidar de si. Querem o gozo exclusivo de um país inteiramente seu.
O Brasil virou um escravo sexual dos militantes.
Se a fala ampara-se na identidade, a memória, os arquivos, os acervos, a arqueologia, o patrimônio cultural, os centros históricos, o espaço público ardem em abandono e que não é somente físico, mas também de novas visões e políticas públicas que possam ir além do binômio estado-orçamento.
O Iphan não é o patrimônio, é apenas um órgão federal de tutela. Sua resposta para o incêndio foi uma normativa burocrática. O BNDES rasga recursos públicos em obras de restauração que não promovem nenhuma externalidade positiva ou vitalidade urbana. Tampouco mede-se o impacto do investimento. E não se pergunta àqueles que tem a posse do bem cultural, como a UFRJ, se tem capacidade de dar sustentabilidade, interpretação e acesso ao bem. Ninguém pergunta se precisam de ajuda. É um jogo de empurra institucional, coordenado pelo medo do Ministério Público. Mas não faltam recursos para filmes que ninguém vê, teatros que ninguém vai, música que ninguém ouve. Assim como a empáfia acadêmica ergue bandeiras e trincheiras. Não há pontes.
Se o fogo acabou com o museu, as eleições deveriam ajudar a apaziguar o ambiente político, contudo vêm carbonizando o futuro, com palavras de ódio, fakes virais e a beatificação de um líder preso por corrupção.
Fala, fogo e faca são quintessências da formação de uma civilização, antecedidas por um outro fator, a terra. Não houve história sem fixação num território, não houve fogueira sem troca de conhecimento, não houve cultura sem contar histórias, não houve democracia sem a ágora. Não houve soberania e paz sem guerras e armas. Fatores primitivos mas que conduziram à razão, à ciência, ao Cosmo e ao próton.
Tem faltado urbanidade aos brasileiros. Estamos segregados em tribos, geograficamente divididos, ricos e pobres não compartilham espaço público. Ambição é não gerada assim como a solidariedade não é experimentada. Violência mata a todos. A escassez da confiança é absoluta.
Planejamento urbano é a reforma mais importante do país. Os candidatos só falam sobre obras, mas não sabem como promover lugares para nos conhecermos e nos amarmos. Territórios de generosidade.
Sejamos pela palavra sentida, pela memória a nos esquentar, pelo amor ao adversário.
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