A fragilidade dos partidos reflete-se no desinteresse pelas disputas em torno da Presidência da República, dos governos dos Estados, do Senado, da Câmaras dos Deputados, das Assembleias Legislativas. A desilusão é geral. Debates e entrevistas perdem em audiência para jogos de futebol, filmes antigos, novelas, velhos programas de auditório. Os tradicionais “santinhos” ocultam a legenda do candidato. Na corrida para o Palácio do Planalto a maior porcentagem de intenções de voto é creditada a Lula, condenado e encarcerado em Curitiba.
A crise adquire dimensões universais. Não é visível em ditaduras de partido único, como a China ou Cuba, mas se aprofunda nas democracias ocidentais. O partido deixou de ser, na definição de Benjamin Constant, “uma reunião de homens que professam a mesma ideologia política”. O que temos são facções volúveis, cuja composição oscila ao sabor das conveniências. A infidelidade é a regra; a fidelidade, exceção. A democracia, como governo do povo, foi superada pela partidocracia, identificada por Gianfrancesco Pasquino como “o predomínio dos partidos em todos os setores: político, social e econômico” (Dicionário de Política, Bobbio, Matteucci, Pasquino, Ed. Edunb, DF, 1993, II, 906).
Caracteriza-se, diz o cientista político, por um “constante esforço dos partidos em penetrar em novos e cada vez mais amplos espaços. Culmina no seu total controle da sociedade. É então que a partidocracia é deveras o domínio dos partidos”. De acordo com Bobbio, “em vez de subordinarem os interesses partidários e pessoais aos interesses gerais, grandes e pequenos partidos disputam para ver quem consegue desfrutar com maior astúcia todas as oportunidades para ampliar a própria esfera de poder. Em vez de assumirem as responsabilidades de seus comportamentos mais clamorosos e criticáveis, empregam toda a habilidade dialética para demonstrar que a responsabilidade é do adversário, a tal ponto que o país vai se arruinando e ninguém é responsável” (As Ideologias e o Poder em Crise, Ed. Edunb, DF, 1999, 193).
As ferramentas da partidocracia consistem no financiamento público dos partidos e das campanhas e na “atribuição de cargos em vastos setores da sociedade e da economia segundo critérios predominantemente políticos (fenômeno que no caso italiano é apropriadamente definido como loteamento). Ambos os instrumentos fortalecem os partidos, envolvendo amplas e, às vezes, importantes camadas de cidadãos” (Dicionário, Pasquino, vol. II, pág. 907).
A descrição da política, tal como é praticada na Itália, guarda rigorosa semelhança com o cenário brasileiro. A Câmara dos Deputados e o Senado pulverizam-se nas facções. Entre as mais atuantes temos as facções do agronegócio, dos sindicalistas, das igrejas evangélicas, dos corruptos, dos omissos, dos revanchistas, da bala, do baixo clero. São agrupamentos volúveis, que se aproximam ou se afastam de acordo com a determinação do líder do segmento representado.
A discussão sobre a quantidade de partidos é antiga. Surgiu com o aparecimento das primeiras agremiações na segunda metade do século 19. Themístocles Cavalcanti distingue três sistemas: do partido único, presente nos regimes totalitários; do bipartidarismo, adotado nos países anglo-saxônicos por força dos costumes, da tradição e da educação desses povos; e o multipartidário, “preferido nos países latinos, onde o espírito domina a própria realidade política e a capacidade para estabelecer as nuances dos diferentes sistemas levou a essa complicação partidária, que encontramos notadamente na França e no Brasil” (Cinco Estudos, Fundação Getúlio Vargas, 1955). Estivesse vivo, o saudoso constitucionalista colocaria, como quarta posição, o sistema de facções surgido na Itália e aperfeiçoado no Brasil desde o final do século passado.
A campanha eleitoral em andamento revela a fragilidade das legendas. As intenções que havia de voto em Lula não correspondem à decadência do Partido dos Trabalhadores (PT), em adiantado estado de decomposição. Lula, como outros desgastados dirigentes, impediu o florescimento de novas lideranças. Como sucede com o PT, os demais partidos envelheceram nos homens, na conduta e nas ideias, mas insistem em boicotar a renovação.
Ouvindo as ruas fica nítido que o povo perdeu o respeito por partidos e dirigentes. O descrédito é de tal ordem que já lhe não interessam as propostas, as entrevistas e os debates. Votará em quem acreditar ser algo novo, em alguém que imagine lhe trará segurança, emprego, e derrote a corrupção. As regiões atrasadas prestigiarão o atraso. País de analfabetos, governo de analfabetos, escreveu Rui Barbosa. O Brasil modernizado observa a fragmentação de candidaturas com ralas porcentagens de apoio e altas taxas de rejeição.
De Bolsonaro a João Amoedo, passando por Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles, Boulos, Eymael, é amplo o arco de alternativas. Ninguém consegue, porém, robusto apoio do eleitorado. São candidatos cujos partidos cumprem o papel de figurantes.
É inútil esperar do cidadão cuja família sofre abaixo da linha da pobreza que analise nomes e propostas para decidir de maneira racional. No dia 7 de outubro, confuso e desiludido, com o desemprego dentro de casa e a insegurança do lado de fora, votará sem entusiasmo cívico, para cumprir obrigação.
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