Nunca é demais repetir que Robles, pelo que se sabe ao dia hoje, não fez nada de mal. Não cometeu qualquer ilegalidade. Tem, como todos os outros cidadãos, o direito à propriedade e ao livre comércio. O único problema é que fez, em grande estilo, exatamente aquilo que passou, ele e o seu partido, uma campanha inteira a diabolizar.
O que nos leva à moral deles e à nossa que, bem notou Trotsky, pode assumir contornos diferentes daquela que advogamos para os outros. A presunção e o moralismo são vícios tentadores, mas terrivelmente perigosos. Na vida pública e na política, fazer um percurso a atirar pedras aos telhados dos outros dá soundbite, protagonismo e muitos votos, mas tem um pequeno problema: os nossos telhados têm de ser à prova de pedra também. Basta um estilhaço e lá se vai a cobertura e a compostura.
Foi esta a história do Bloco de Esquerda praticamente desde a sua fundação: escolher causas fraturantes e lutar por elas, ao mesmo tempo que aponta o dedo aos vícios, aos poderosos e aos pecadores. Tudo isto assente em figuras carismáticas que, supostamente, simbolizam tudo o que o partido quer ser: inteligente, alternativo e inatacável. Só que não, como se diz agora. A parte do inatacável é complexa, bem sabemos, sobretudo quando um partido se consolida, cresce e se instala. São dores de crescimento, dirão alguns. Acontece aos melhores, dirão outros. Então e os outros todos?, atiram do lado de lá os defensores do Bloco. Outro tiro no pé. Deixar que a argumentação entre no nível do “whataboutism”, ou naquela forma de debater em que não se discutem os erros próprios mas em que se apontam os vícios alheios idênticos ou piores, é uma estratégia típica do statu quo.
A partir de agora, o Bloco perdeu a face no debate da moralidade. Saiu do campeonato dos impolutos. Desgastou a retórica que o trouxe até aqui. E é todo um caminho novo que vai ter de aprender a trilhar.
Habituado a atacar e não a ser atacado, o partido provou agora a sua própria receita. Implacáveis, as redes sociais não perdoaram. Num ápice, encheram-se de críticas, hashtags e memes, Robles e o Bloco marcaram a tendência e fizeram alertas sucessivos de quem vê no episódio um filão perfeito para explorar.
E o partido, em choque e visivelmente desorientado, engasgou-se com o sabor a fel. Em vez de assumir as responsabilidades, tentou desviar as atenções e desculpabilizar o indefensável. Pior a emenda do que o soneto: é tal qual como fazem os outros, os que eles sempre criticaram. Os bloquistas votaram em maioria pela permanência de Robles, mas ele saiu na mesma, fazendo a única coisa que era possível fazer para limpar a face, enquanto os dirigentes do PS e, sobretudo, do PCP assistem na bancada à escorregadela do BE. Parece que os estou a ver ir à estante buscar A Revolução Traída, de Trotsky, e recordar, divertidos, os vícios da Nomenklatura...
Mafalada Anjos - Editorial da VISÃO
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