terça-feira, 10 de julho de 2018

O salário-esposa

A aprovação, pela Câmara Municipal de São Paulo, do Projeto de Lei 278, que reajusta em 2,84% os vencimentos dos servidores do Tribunal de Contas do Município (TCM) com retroatividade a partir de 1.° de março, acabou dando visibilidade a um privilégio corporativo que foi concedido a todo o funcionalismo paulistano há quase quatro décadas, mas que até agora era muito pouco conhecido por parte da opinião pública. Trata-se do salário-esposa.


Previsto pelos artigos 89 e 121 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo (Lei n° 8.989/79), em vigor desde outubro de 1979, e regulamentado por decreto editado em agosto de 1981, esse privilégio é concedido a título de “vantagem funcional” aos servidores ativos e aos inativos, desde que suas esposas não exerçam qualquer atividade remunerada. No caso dos servidores que não são casados formalmente, os dois textos legais permitem que o salário-esposa seja concedido às suas companheiras, desde que mantenham vida em comum há pelo menos cinco anos.

Para que as beneficiárias possam receber essa remuneração, sem contribuir em nada para o funcionamento da administração municipal, o procedimento é bastante simples. Basta que os funcionários públicos paulistanos interessados em dar a suas mulheres ou companheiras esse mimo - à custa dos contribuintes - assinem um requerimento padronizado aprovado pela Secretaria de Administração, apresentem certidão de casamento ou um documento que comprove vida em comum e assinem uma declaração afirmando que as informações prestadas são verídicas. Tão ou mais surpreendente é o fato de que, a exemplo da Prefeitura de São Paulo, outras prefeituras paulistas também concedem esse privilégio. Graças a uma lei aprovada em 1968, o salário-esposa é concedido para os servidores públicos do Estado de São Paulo, com a condição de que não recebam importância superior a duas vezes o valor do menor vencimento pago pela administração estadual.

O salário-esposa é tão absurdo e imoral que, dois dias depois do aumento concedido aos funcionários do TCM, alguns advogados paulistanos ajuizaram uma ação popular contra a Prefeitura, pedindo a suspensão imediata de seu pagamento em toda a administração pública direta e indireta. Segundo eles, além de afrontar os princípios da moralidade e da razoabilidade previstos pela Constituição, acarretando danos ao erário, esse tipo de benefício configuraria uma forma de discriminação remuneratória, já que o estado civil de qualquer servidor municipal não tem qualquer correlação com as funções por ele desempenhada.

Invocando os mesmos argumentos, no final de 2017 um grupo de promotores do Ministério Público do Estado de São Paulo já havia tomado uma medida idêntica, acionando judicialmente a Prefeitura de São Carlos. A ação foi acolhida pela primeira instância, que concedeu liminar suspendendo o pagamento do benefício até o julgamento de mérito.

O mais surpreendente é que, ao manifestar-se nesse processo, os técnicos do TCM endossaram os argumentos jurídicos dos promotores. Lembraram, inclusive, que o salário-esposa gera dano público para as prefeituras, sob a forma de “despesas desarrazoadas”. Já ao refutar a ação popular ajuizada no final da semana passada em São Paulo, o TCM informou que, atualmente, nenhum de seus servidores recebe salário-esposa. Na administração municipal, porém, o benefício é pago a um grupo de funcionários da Câmara e a 12 mil servidores da Prefeitura, tendo custado cerca de R$ 650 mil aos cofres paulistanos, em 2017.

O salário-esposa se soma às dezenas de outros penduricalhos pagos ao funcionalismo público. Sua existência é mais uma demonstração de como as diferentes instâncias de governo põem os interesses de seus servidores à frente dos interesses dos contribuintes, que pagam impostos com seu trabalho sem receber a contrapartida de serviços públicos com um mínimo de qualidade.

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