terça-feira, 10 de julho de 2018

O Habeas Corpus e o abismo da política

A semana terminava irremediavelmente morta, nos lamentos pela sorte da Seleção Brasileira, na Copa do Mundo. Um sentimento de perda e de mesmice tomava a sala e se misturava aos aromas do almoço de domingo. Seria o tédio, não houvesse no país tantos desacertos; não houvesse essa incapacidade de rearrumar a casa após a tempestade que, é verdade, nunca passa e vai delineando o dilúvio.

No Brasil destes dias, não há espaço para o luto quanto menos para resguardos. A emoção e a instabilidade são a lei desta quadra histórica. A notícia chegou pelo rádio, pela TV; na internet e nas notificações de WhatsApp que soavam frenéticas no celular: surpreendentemente, um desembargador de plantão resolvera acatar o Habeas Corpus impetrado pelos advogados que pediam a liberdade do ex-presidente Lula. De um lado, a euforia; de outro, a fúria. Não havia dúvidas, o país ferveria nas horas seguintes.

O episódio deixa, porém, algumas certezas: 1) o vale tudo para livrar os políticos, de qualquer agremiação, das garras da Lava Jato está posto sobre a mesa; 2) o Poder Judiciário, tomado pela política, entrou em pane, perdendo a capacidade de arbitrar conflitos e, portanto, a previsibilidade; 3) um perigoso e desconfortável ambiente instável será a lógica desta eleição. O país costeia o abismo.

Ao tentar por mais uma vez libertar o ex-presidente Lula de sua cela na prisão de Curitiba, o PT buscou o caminho das pedras trilhado também por tucanos e emedebistas, volta e meia libertados por ordem de ministros do Supremo Tribunal Federal. Como se sabe, há no STF uma prática que tem se estabelecido como normal, em que ministros autocraticamente e ou turmas de ministros deliberam Habeas Corpus ou anulam prisões ao arrepio de posicionamentos antes estabelecidos pelo Plenário da Corte.

Pode-se afirma que há no STF não apenas duas turmas, mas, pelo menos dois times — ou duas bancadas que se contrapõem. Seus protagonistas são, de um lado, Gilmar Mendes e José Antônio Dias Toffoli, mais críticos da Operação Lava Jato e mais condescendentes com os réus; de outro, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, mais duros e favoráveis ao tratamento que tem sido dispensado pela Lava Jato a seus réus.

(Quem está certo, só os valores ou a torcida de cada um serão capazes de dizer)

Pois, em busca de um mesmo ambiente e circunstâncias, deputados do PT recorreram ao plantão do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul (TRF-4) na busca de um genérico de Gilmar Mendes. Em sentido oposto, o desembargador Rogério Favreto, com o mesmo princípio ativo, talvez avaliasse libertar o ex-presidente. Jus Sperniandis, direito de reclamar. Mas, é claro, foi também um movimento político calculado para criar um fato.

Com alguma sorte e desatenção, o HC poderia libertar Lula e reestartar. Mesmo não sendo candidato, o ex-presidente é capaz mobilizar e articular a política de um modo que o PT é incapaz de fazer. Quando menos, a própria negativa aguçaria o discurso de vitimização, demonstrando que, em se tratando do petista, o rigor parece maior.

O frenético vai-e-vem de despachos evidenciou o desgaste das instituições de um modo no geral, do Judiciário, em particular. Também obrigou o juiz Sérgio Moro a se expor, agindo para retardar a ordem de Favreto e ganhar tempo até que demais membros do TRF-4 frustrassem os aliados de Lula.

Foi, enfim, uma tarde de domingo sem futebol, mas de Ópera Bufa; confusão que explicita os desacertos e os problemas do país. E agrava-se o conflito entre as torcidas políticas.

Adversários de Lula denunciam as relações de Dias Toffoli e, agora, Favreto com o PT. Mas é verdade que se calam quanto à proximidade — em fotos, festas e histórias — de Sérgio Moro, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes com PSDB e MDB. Acusações de “golpismo” cruzam os céus do país. Aponta-se dedos e liquida-se a possibilidade de diálogo, base da política. O país não sai do buraco porque não consegue parar de cavar a terra sob os pés.
Carlos Melo 

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