quarta-feira, 11 de julho de 2018

A politização da Justiça

As fortes ligações dos membros das cortes superiores e tribunais de justiça com p
olíticos não são nenhuma novidade, o fato novo é a punição dos políticos pelos juízes e tribunais, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. É o primeiro caso de um presidente da República levado à prisão no Brasil. Isso não aconteceu na Revolução de 1930 nem no golpe militar de 1964. Os ex-presidentes Washington Luiz e João Goulart, depostos, foram para o exílio. Poderiam ter sido presos, se Getúlio Vargas e Castelo Branco quisessem fazê-lo.

Após a redemocratização, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao sofrer um processo de impeachment, não foi preso. Respondeu a processo em liberdade e acabou absolvido, sem passar pelas instâncias de primeiro e segundo grau. A ex-presidente Dilma Rousseff, deposta no impeachment, nem os direitos políticos perdeu. Todos os ex-presidentes vivos têm alguma influência nos tribunais. Não tem fundamento constitucional a narrativa do PT de que Lula é um preso político, de que sua prisão é uma perseguição dos “jacobinos de toga”. Lula está preso porque recebeu vantagens indevidas no exercício do cargo e isso é crime comum. Foi condenado em duas instâncias e estará fora da disputa eleitoral por causa da Lei da Ficha Limpa. Os fatos jurídico-políticos são esses, o resto é discurso eleitoral e muita luta pelo poder.


É nesse contexto que os fatos de domingo passado, envolvendo o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que mandou soltar Lula, e os juízes naturais do caso do tríplex de Guarujá, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, de Curitiba, responsável pela execução da pena, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso, e o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, desembargador Trompson Flores, que mantiveram a prisão, precisam ser analisados.

A luta política chegou à Lava-Jato em todas as instâncias. Num país de dimensões continentais, que somente veio a completar sua revolução burguesa na década de 1930, mesmo considerando-se o importante papel do Exército brasileiro e da diplomacia na preservação da integridade territorial e consolidação de nossas fronteiras, seria inimaginável a construção do Estado nacional sem a existência de uma Justiça capaz de se fazer presente em todas as cidades. No período colonial, a Justiça local era exercida por cidadãos designados pelas Câmaras Municipais eleitas; com a chegada da Corte portuguesa, essa estrutura não mudou muito; depois da Independência, o sistema passou a ser híbrido, com a nomeação dos juízes pelo imperador e a criação de juris formados por eleitores, que anualmente eram alistados para julgarem devassas e querelas em processo público e oral. Impossível não haver politização.


A centralização e profissionalização da magistratura só veio em 1850, quando o impedor D. Pedro II, por decreto, estabeleceu que os juízes seriam nomeados por ele, entre bacharéis, após servirem como juiz municipal, de órfãos, ou promotor público. Os habilitados deveriam ser matriculados com base nas informações prestadas pelos presidentes de Província e pela documentação apresentada pelo requerente, o que garantiu o controle do Judiciário pelo Partido Conservador. Após a proclamação da República, com a Constituição de 1891, a grande mudança foi a realização de concursos: “A nomeação de juízes de direito será precedida de noviciado e concurso, e a dos substitutos, de noviciado”. Mesmo assim, somente no final do regime militar, em 14 de março de 1979, foi editada a Lei Complementar nº 35, instituindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Entre outras disposições, essa lei criou o Conselho Nacional da Magistratura, que foi extinto em 1998 por simples despacho de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Renasceu das cinzas, porém, com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004., recebendo a denominação de Conselho Nacional de Justiça. Antes mesmo de sua publicação, a emenda foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, mas o Supremo decidiu por maioria julgar improcedente a ação.

Há uma tensão permanente entre os magistrados de carreira e os desembargadores e ministros do chamado quinto constitucional, exacerbada pelo fato de que a composição do Judiciário, mesmo com os concursos, manteve características de casta privilegiada e corporativista. Para o cidadão comum, a Justiça gasta muito, produz pouco e fala uma língua que não se entende. Para os poderosos, os ritos do processo são mais importantes do que os fatos; com os miseráveis, ocorre exatamente o contrário. Com a Operação Lava-Jato, esse modus operandi estolou. O caso Lula pôs a crise ética no colo da Justiça brasileira, que está como homem da caverna de Platão: não sabe se permanece à luz do dia ou volta para a escuridão. Quem vai decidir é o Supremo Tribunal Federal (STF).

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