quinta-feira, 21 de junho de 2018

Tribunais de Contas, os permissivos fiscais expostos pela Lava Jato

“As minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.” Essa frase está na ponta da língua dos políticos investigados na Operação Lava Jato por fraudar licitações e superfaturar obras. E o argumento não é falso. Os ex-governadores Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, Sérgio Cabral (MDB), do Rio de Janeiro, e Beto Richa (PSDB), do Paraná – investigados por suspeita de terem favorecido empresas em licitações –, tiveram as contas aprovadas nos tribunais de contas de seus estados, colocando em xeque a credibilidade dos órgãos de controle como mecanismo para coibir esquemas de corrupção.


O problema é que, entre os julgadores das suas movimentações financeiras, estavam aliados políticos. A ONG Transparência Brasil revelou, em estudo publicado no ano passado, que oito em cada dez conselheiros de contas do país exerceram mandatos eletivos ou altas funções em governos. A pesquisa, realizada em 2014 e atualizada em 2016, incluiu membros do Tribunal de Contas da União (TCU), dos 27 tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, e dos tribunais municipais. Existem quatro tribunais de contas do conjunto de municípios dos estados de Pará, Goiás, Ceará e Bahia, e Tribunais Municipais de contas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

O levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e ministros respondem a processos ou já foram punidos na Justiça e até mesmo nos próprios tribunais de contas. Os supostos guardiões do dinheiro público são acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e enriquecer ilicitamente. A mais comum acusação que recai sobre eles: improbidade administrativa.

Embora não tenha havido nenhuma investigação específica sobre elas, a Operação Lava Jato escancarou a participação dos integrantes dessas cortes estaduais, municipais e federal nos esquemas de desvio de dinheiro. No Rio de Janeiro, cinco conselheiros do TCE estão afastados, suspeitos de cobrar propina para fazer “vista grossa” de contratos do governo com empreiteiras.

Até fevereiro deste ano, o ex-ministro das cidades do governo de Dilma Rousseff Mário Negromonte (PP-BA) ocupava uma cadeira no conselho do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado Bahia (TCM). Ele foi acusado de pedir propina de R$ 25 milhões para beneficiar empresas do setor de rastreamento de veículos quando era ministro. Indicado pelo ex-governador Jaques Wagner (PT-BA), em 2014, o conselheiro foi afastado depois que virou réu por corrupção passiva. O senador Agripino Maia (DEM-RN) teria influenciado a mudança de parecer do TCE do Rio Grande do Norte, favorecendo a OAS na construção do estádio Arena das Dunas para a Copa do Mundo de 2014, de acordo com denúncia da Procuradoria-Geral da República, acatada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A operação atingiu também a cúpula do TCU. O filho do ministro Aroldo Cedraz (ex-deputado federal da Bahia pelo PFL, hoje DEM), o advogado Tiago Cedraz, passou a ser investigado em 2015 depois de o dono da empreiteira UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, ter dito que o contratou para obter dados de difícil acesso na corte e para comprar uma decisão referente à usina nuclear Angra 3. Procurados pela reportagem da Pública, todos negam as acusações.

Os tribunais de contas estaduais possuem sete conselheiros. Quatro são escolhidos pelo voto dos deputados; um, livremente pelo governador; e os outros dois, também pelo governador, mas têm de ser auditores e procuradores do Ministério Público de Contas.

Procurador do Ministério Público junto ao TCU e presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), Júlio Marcelo de Oliveira – conhecido por ser o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por fraude fiscal –, alerta que, quanto mais tempo o mesmo grupo político permanece no poder de um estado, mais influência ele tem no tribunal de contas.

É o caso, por exemplo, de Minas Gerais. O PSDB permaneceu no governo por 12 anos, de janeiro de 2003 a janeiro de 2015. Todos os membros do órgão mineiro são ligados aos ex-governadores tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia: os ex-deputados Mauri Torres (PSDB), José Alves Viana (DEM), Wanderley Ávila (PSDB) e Sebastião Helvécio (PDT) foram indicados pela Assembleia Legislativa. Já os dois cargos técnicos, ocupados por Cláudio Terrão e Gilberto Pinto Dinis, foram nomeação de Anastasia.

O levantamento da ONG Transparência Brasil que avaliou a vida pregressa de todos os membros das cortes dos tribunais de contas na ativa em 2016 traz a informação de que, no grupo de conselheiros que jamais ocuparam cargo eletivo nem foram secretários de governo, 6% respondem a processo na Justiça. Já entre os conselheiros que são políticos profissionais, a porcentagem sobe para 27%.

Políticos que perderam o mandato, que estão achando difícil se reeleger, ou que querem aumentar o poder político da família, sendo substituídos na Assembleia pelo filho ou mulher, por exemplo, cobiçam as vagas de conselheiros de contas. Ali, recebem diversos benefícios, como foro privilegiado, cargo vitalício, salários altos – o salário-base é de R$ 30.471 –, além de gratificações e outras vantagens.

Juntos, os tribunais de contas custam mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. Os cargos de conselheiros são equivalentes aos dos desembargadores, e os ministros do TCU são equiparados pela Constituição Federal aos ministros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os membros dos órgãos de controle estão regidos pela Lei Orgânica da Magistratura. No entanto, ninguém os fiscaliza. “Os tribunais de contas não têm controle nenhum. Ninguém fiscaliza esses órgãos”, ressaltou Oliveira.

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