quinta-feira, 10 de maio de 2018

Hoje, aqui, vaca renegar bezerro não desperta nenhuma curiosidae

Quem viveu no interior de Minas ou de qualquer outro Estado da Federação, e, portanto, mais próximo da zona rural, já viu vaca desprezar bezerro. Isso acontecia com relativa frequência antes da ordenha mecânica (que ainda não foi totalmente acolhida pelos pequenos produtores). Daí o dito popular como forma de expressão diante de um tempo de maus prenúncios. Só fui acreditar nessa brincadeira séria quando fui testemunha do que apenas sabia de ouvido. Isso ocorreu em minha própria e saudosa fazenda, no município de Florestal, que faz parte da região metropolitana de Belo Horizonte. Desenvolvi lá o que se chama, para os mais sofisticados, “pecuária leiteira”. Sabia, porém, que, na realidade, não passava de mero “tirador de leite”– um eterno abnegado.

Em nosso país, vaca renegar bezerro já não mais desperta qualquer curiosidade. Submetemo-nos hoje, primeiro pelo mensalão e, depois, pela operação Lava Jato, a tais medidas de profilaxia que nada mais nos causará surpresa. Não há setor, desde que seja investigado, capaz de provar inocência. Não se salva nem empresa privada, nem instituição pública. As exceções, se existem, servirão para confirmar a regra. A Polícia Federal faz mais operações do que todos os cirurgiões brasileiros juntos… A cizânia, que se espalha rapidamente, está provocando sérios desentendimentos até mesmo entre pais e filhos.

Os pessimistas de carterinha não sossegam e, por sua conta e risco, afirmam que, do jeito que se move a carruagem, breve só teremos pela frente duas alternativas – a guerra civil ou a intervenção militar. A primeira, segundo os campeões do pessimismo, já ocorre em alguns Estados. O Rio de Janeiro é seu maior e melhor exemplo. Lá, afirmam os cariocas, já se vive verdadeira guerra civil. A segunda necessitará da ajuda de nossas forças militares, que, ao que parece, não se sujeitarão a nenhuma representação política. Esperemos, então, que somente contribuam para aprimorar a democracia no país, único caminho capaz de promover o desenvolvimento e a paz social. Este é o sentimento que alimento. Não tenho certeza de que sobreviverá.

Aos que se acham realmente desesperados, seria muito bom que dessem uma olhada no que ocorre a sua volta, não só próximo de nós (vide prédio que pegou fogo e ruiu em São Paulo, matando gente e desalojando impiedosamente pessoas em situação de miséria), mas no mundo de modo geral. Na Rússia, milhares de pessoas foram presas porque se atreveram a se manifestar contra a eleição do presidente Vladimir Putin, que está no poder desde 1999.

O jornalista e escritor Zuenir Ventura respondeu assim à pergunta de um leitor sobre a diferença entre a situação atual e a de 1968, que foi motivo de livro seu, agora reeditado: “Naquela época, as pessoas brigavam contra a ditadura e hoje brigam entre si. Além de faltar autoestima ao brasileiro, falta ‘alter estima’, ou seja, a estima do outro”. Para Zuenir, a falta desta última significa falta de amor ao próximo. Por que, finalmente, insiste Zuenir, “tanta desobediência ao segundo mandamento da Lei de Deus (Amarás o teu próximo como a ti mesmo)?”.

O fato, leitor, é que, aos trancos e barrancos, nos aproximamos das eleições deste ano. O que nos aguarda não será fácil, mas o que aguarda o futuro presidente da República é o que mais nos preocupa. Seja quem for (e quem será?), vai enfrentar um cenário terrível: um país violento, estacionado e dividido, com péssimos serviços públicos, Estados e municípios falidos e a classe política desmoralizada.

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