Num contexto mais favorável, a discussão em torno dos rumos do país deveria ser feita com o máximo de cordialidade possível.
O episódio da prisão de Lula foi muito dramático. Um amigo lembra que, na mesma semana, foi presa a ex-presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye. Houve manifestações, mas ela não fez discurso, dispensou visitas e falou apenas com os advogados.
A Coreia do Sul, com bons índices de crescimento, talvez seja mais tranquila, porque com a prisão de Geun-hye já é o terceiro ex-presidente a ir para a cadeia.
Tive contato com a sabedoria hebraica lendo, para prefaciá-lo, um livro de Nilton Bonder em que ele tenta aplicar esses ensinamentos para se entender os atores políticos.
O ensinamento mais amplo da sabedoria hebraica, preservado segundo os estudiosos em várias Bíblias, é o fato de que não se deve curvar para os ídolos, pois isso nos faz perder o que há de melhor em nossa natureza.
Essa ideia é tão forte que teria até influenciado o marxismo na sua crítica cultural ao capitalismo. Só que a perda de si no outro, nessa visão marxista, não se dá necessariamente diante de ícones religiosos, mas diante do mundo cintiliante das mercadorias, o império dos objetos. Seus conceitos são mais complicados: alienação, reificação.
No momento em que deputados e senadores do PT querem fundir seu nome com o de Lula, pergunto-me se com isso não estão perdendo o melhor de si, que é a possibilidade de debater o mundo real, as dificuldades que o país atravessa.
Todos têm direito de dosar sua energia como quiserem, mas confundir o destino do país com o seu líder abre um abismo com todos nós que precisamos olhar para frente.
Necessariamente, as ideias de esquerda não são melhores. Meu ponto é outro: com todas as correntes dando o que há de melhor para acharmos o caminho, as chances de acerto são maiores.
Existe também um grande campo em que, para além das lutas identitárias, podemos elaborar políticas nacionais urgentes. O de saneamento básico é um deles. A escassez hídrica, outro.
Divergências devem surgir em alguns campos também vitais, como educação e segurança pública.
Ao contrário de um debate sobre uma eleição que se aproxima, as emoções dominam, estamos às voltas com ídolos. Se o processo continua nesse tom ditado pelos extremos o desfecho é perigoso. Pessoas que se perdem costumam ser levadas para o pior dos caminhos.
Compreendo o fascínio do momento. Todas as noites alguém entrando ou saindo da cadeia, imagens do coronel Lima em cadeira de rodas, lá vai o Rodrigo Loures correndo de novo com sua mala, os milhões do Geddel, o locutor de rádio anunciando que Sérgio Cabral também tomou café com pão e manteiga pela manhã.
Mas, como diz o coelho branco: “É tarde, é tarde.”
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