Uma remota suspeita, ou mesmo uma suspeita fabricada, já o fazia mobilizar Ministério Público, imprensa e sociedade civil para caçar “as ratazanas da política”. A retórica era implacável, impiedosa.
O partido professava, com fúria inaudita, o denuncismo como método de ação política. Era preciso “passar o Brasil a limpo” – e só o PT, trincheira da moralidade, poderia fazê-lo.
Lula, como um Torquemada de macacão, condensava essa luta pelo saneamento da vida pública brasileira. Em nome dessa causa e da justiça social (outro clichê repetido à exaustão), recusou-se, na transição do regime militar para o civil, a votar em Tancredo Neves e a assinar a Constituição de 1988.
O clero católico da Teologia da Libertação o secundava, com ardor místico; artistas, intelectuais, acadêmicos faziam-lhe coro.
Dentro disso, o partido pediu o impeachment de todos os presidentes da República a partir da redemocratização. Obteve o de Collor, mas se recusou a integrar a frente que se formou em torno de seu sucessor, Itamar Franco. O partido não se misturava.
Nem mesmo aliados potenciais, como Leonel Brizola, cabiam no seu figurino. Atribuía-lhe, e ao getulismo, visão superada do trabalhismo; abjurava o sindicalismo pelego, dependente do Estado.
Brizola via com desconfiança esse puritanismo exacerbado, chamando o PT de “a UDN de tamancos”. A UDN, como se sabe, foi o partido cujo denuncismo levou Vargas ao suicídio.
Mas a estratégia funcionava: o partido crescia, formava bancadas numerosas e aguerridas, elegia prefeitos, governadores e, enfim, num belo dia, em 2002, elegeu Lula presidente da República.
É quando, então, tudo muda – e muda rápido. O partido alia-se aos setores que combatia: políticos oligarcas e fisiológicos do PMDB, PP e PTB (entre outros ainda piores). E se transmuta em tudo o que condenava. Perde aos poucos o apoio de intelectuais respeitáveis, desencantados com o choque de realidade.
E fica, ao final, com o que tinha (e tem) de pior. Em sua única experiência parlamentar, como deputado-constituinte, Lula identificou “mais de 300 picaretas” no Congresso. Em 13 anos e meio de poder, aliou-se a eles. E devastou estatais, fundos de pensão, bancos públicos; corrompeu e corrompeu-se; tornou-se presa do moralismo que semeou – e que deixou muitas vítimas pelo caminho.
Lula na cadeia, precedido pelo impeachment de Dilma, postulado nas ruas por multidões, é o ocaso de um projeto de poder, que se proclamou redentor e revelou-se um conto do vigário.
O PT criminalizou a política – e agora, empenhado em transfigurar Lula em preso político, quer politizar o crime. Mas não há como transformar propina e roubo em ideologia. E é disso que trata sua condenação e os demais seis processos prestes a ter sentença.
Lula está agora ao lado de antigos parceiros – Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima, Palocci, Maluf, Odebrecht, Leo Pinheiro – e à espera de outros, como Aécio Neves, Gleisi Hoffmann, Lindberg e Zé Dirceu (e, quem sabe, em breve, Dilma e Temer).
Pelo avesso, o partido de fato melhorou a taxa de moralidade da vida pública. Ao elevar a níveis inéditos e estratosféricos a velha prática da corrupção, agiu como um purgativo, a provocar no país uma diarreia cívica, que hoje abrange todo o espectro partidário. Não deixa de ter o seu mérito, que a História há de reconhecer.
Ruy Fabiano
O clero católico da Teologia da Libertação o secundava, com ardor místico; artistas, intelectuais, acadêmicos faziam-lhe coro.
Dentro disso, o partido pediu o impeachment de todos os presidentes da República a partir da redemocratização. Obteve o de Collor, mas se recusou a integrar a frente que se formou em torno de seu sucessor, Itamar Franco. O partido não se misturava.
Nem mesmo aliados potenciais, como Leonel Brizola, cabiam no seu figurino. Atribuía-lhe, e ao getulismo, visão superada do trabalhismo; abjurava o sindicalismo pelego, dependente do Estado.
Brizola via com desconfiança esse puritanismo exacerbado, chamando o PT de “a UDN de tamancos”. A UDN, como se sabe, foi o partido cujo denuncismo levou Vargas ao suicídio.
Mas a estratégia funcionava: o partido crescia, formava bancadas numerosas e aguerridas, elegia prefeitos, governadores e, enfim, num belo dia, em 2002, elegeu Lula presidente da República.
É quando, então, tudo muda – e muda rápido. O partido alia-se aos setores que combatia: políticos oligarcas e fisiológicos do PMDB, PP e PTB (entre outros ainda piores). E se transmuta em tudo o que condenava. Perde aos poucos o apoio de intelectuais respeitáveis, desencantados com o choque de realidade.
E fica, ao final, com o que tinha (e tem) de pior. Em sua única experiência parlamentar, como deputado-constituinte, Lula identificou “mais de 300 picaretas” no Congresso. Em 13 anos e meio de poder, aliou-se a eles. E devastou estatais, fundos de pensão, bancos públicos; corrompeu e corrompeu-se; tornou-se presa do moralismo que semeou – e que deixou muitas vítimas pelo caminho.
Lula na cadeia, precedido pelo impeachment de Dilma, postulado nas ruas por multidões, é o ocaso de um projeto de poder, que se proclamou redentor e revelou-se um conto do vigário.
O PT criminalizou a política – e agora, empenhado em transfigurar Lula em preso político, quer politizar o crime. Mas não há como transformar propina e roubo em ideologia. E é disso que trata sua condenação e os demais seis processos prestes a ter sentença.
Lula está agora ao lado de antigos parceiros – Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima, Palocci, Maluf, Odebrecht, Leo Pinheiro – e à espera de outros, como Aécio Neves, Gleisi Hoffmann, Lindberg e Zé Dirceu (e, quem sabe, em breve, Dilma e Temer).
Pelo avesso, o partido de fato melhorou a taxa de moralidade da vida pública. Ao elevar a níveis inéditos e estratosféricos a velha prática da corrupção, agiu como um purgativo, a provocar no país uma diarreia cívica, que hoje abrange todo o espectro partidário. Não deixa de ter o seu mérito, que a História há de reconhecer.
Ruy Fabiano
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