A petição de 1898 cumpriu relevante função pública, ao contrário da maioria dos manifestos que vieram depois, quase sempre consagrados a fins tolos, frívolos ou francamente abjetos. Como regra, intelectuais assinam declarações políticas para servir a um partido ou causa sectária --e isso nos melhores casos, ou seja, quando não se trata simplesmente de cimentar lucrativas relações profissionais ou acadêmicas. A constatação aplica-se a intelectuais de esquerda e de direita, mas principalmente aos primeiros, que cultivam mais tenazmente o hábito do abaixo-assinado.
Hoje, porém, devo pedir justamente a eles que façam, uma vez na vida, o que fizeram Zola e cia: escrever para proteger valores preciosos.
"As pessoas já não conseguem mais comida. Entregam seus filhos exatamente porque os amam", explicou Magdelis Salazar, assistente social em orfanato de Caracas. Junto com o fluxo de refugiados rumo à Colômbia e ao Brasil, configura-se a paisagem típica de um país em guerra --com a diferença de que não há guerra. Chico, Marilena, Comparato, Dallari, Alencastro, Maria Victoria, Fornazieri, Singer —onde estão vocês?
A aliança entre Caracas e Havana derivou do encontro do desvario ideológico chavista (o projeto da unidade da América Latina contra os EUA) com o cálculo realista castrista (a subvenção da economia cubana pelo petróleo venezuelano). No início de 2012, durante os dois meses de sua agonia em Cuba, Chávez organizou com os Castro a transição do poder para Maduro. O pacto desigual conferiu ao regime castrista o controle sobre os aparatos de segurança do Estado venezuelano, que é exercido por agentes dos órgãos de inteligência cubanos. A goma dos assessores cubanos imobiliza o chavismo crepuscular, prevenindo dissidências e impedindo uma saída negociada. O manifesto ausente faz falta pois Havana guarda a chave de uma solução pacífica para a Venezuela.
Nessas circunstâncias especiais, a palavra dos intelectuais de esquerda pode exercer uma efetiva influência indireta. O persistente silêncio deles serve como cobertura do apoio dos partidos brasileiros simpatizantes do castrismo à ditadura de Maduro. A ruptura do silêncio cúmplice --na hora do êxodo venezuelano e da pré-campanha presidencial no Brasil-- alteraria os termos da equação. O regime castrista precisa da legitimidade oferecida pela esquerda latino-americana. Sob pressão do PT, do PSOL e do PC do B, Havana possivelmente se moveria, reproduzindo o que fez no caso das Farc colombianas.
Nossos intelectuais de esquerda especializaram-se em manifestos partidários ou destinados a causas mesquinhas, como pedir o escalpo de algum articulista inconveniente. Que tal variar, em defesa dos direitos humanos dos venezuelanos comuns? Dessa vez, companheiros, vocês não são irrelevantes.
Demétrio Magnoli
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