terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Por que seria melhor para a direita se Lula fosse absolvido

Quando a direita envolvida na corrupção afirma, como acaba de fazer o presidente Temer, que “é melhor derrotar Lula nas urnas que transformá-lo em vítima”, o que talvez esteja querendo dizer é que, no momento atual, seria preferível para seu Governo que Lula ganhasse as eleições. Essa direita sabe que, em vista da rejeição da sociedade à corrupção, será difícil eleger um candidato que tenha apoiado o Governo Temer.

Poderia parecer estranho, mas se Lula fora condenado e obrigado a sair da cena política, a maior orfandade poderia ser da direita. Foi, de fato, nos Governos de Lula e Dilma Rousseff que a direita adquiriu maior peso político. Os principais ministros e assessores de Temer já o tinham sido nos quatro mandatos da esquerda. Foi com o PT no Governo que a direita estendeu seus tentáculos em todos os órgãos do poder que hoje mantém.

Se Lula for impedido de disputar a presidência, é possível que cresça um candidato progressista disposto a continuar combatendo a corrupção. Por que essa direita temeria mais, por exemplo, a ecologista Marina Silva ou o ultradireitista Jair Bolsonaro do que Lula? Ou um Joaquim Barbosa, um Ciro Gomes e até um Luciano Huck? Porque esses políticos alternativos a Lula não parecem dispostos a acabar com a Lava Jato. Bolsonaro já anunciou que, se ganhar, designará o juiz Sérgio Moro para o Supremo.


A direita que teme uma candidatura progressista que não seja a de Lula sabe que, se ele voltasse ao poder, a luta contra os políticos corruptos seria abordada de maneira mais benigna do que faria um candidato com ficha limpa nos tribunais. Uma nova presidência de Lula poderia se tornar um salva-vidas para muitos políticos da direita incriminados pela Justiça que sonham com uma anistia geral. Ao mesmo tempo, essa direita sabe que Lula voltaria a governar com ela mais à vontade do que com qualquer outro de esquerda, já que ele é visto mais como pragmático que como esquerdista. Se Lula ganhasse outra vez certamente repetiria o pacto com o mercado, o empresariado e os bancos, e colocaria, de novo, um liberal como o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à frente da economia e do Banco Central. Já tentou fazê-lo com Dilma, mas ela recusou.

Lula é um candidato que nunca infundiu medo na direita enquanto esteve no poder. Quando disputou as eleições em 1989 e perdeu para Fernando Collor de Mello, confessou que tinha sido melhor para o país já que “ainda não estava preparado para governar por ser muito radical”. Foi José Dirceu, o dirigente do PT posteriormente condenado à prisão, que “pôs a gravata em Lula”, como escreveu este jornal na época. Dirceu o fez cortar a barba de sindicalista, vestir-se com elegância e reconciliar-se com os valores neoliberais da economia. E ganhou duas eleições.

Fernando Haddad, um intelectual do PT especialista em marxismo, considerado o estepe de Lula, recomendou a ele que, desta vez, leve o PT mais para a esquerda. Lula sabe, porém, que se voltar ao poder não poderá governar sem o apoio da direita. O que deve ter agradado a Lula foi o golpe publicitário de Haddad, que o batizou de “viagra dos brasileiros”. Pediu que, no Brasil, essa pílula “tenha a cor vermelha de Lula”, o único político, segundo ele, capaz de “devolver o tesão” aos brasileiros. A mensagem subliminar de Haddad é clara: desde que Lula saiu, os brasileiros ficaram impotentes para seguir adiante, teriam perdido seu fogo, algo que só o ex-sindicalista saberia devolver.

Essa direita, órfã de candidatos, cujo sonho é apagar o incêndio da Lava Jato para poder sobreviver tranquila, sabe que Lula, maleável por temperamento, seria mais compreensivo nos labirintos e negociatas da velha política que qualquer outro presidente da esquerda e até do centro. Poderia parecer um paradoxo, mas essa direita, com medo de acabar na prisão, na qual figura meio Congresso, não choraria se Lula fosse absolvido nesta quarta-feira e pudesse disputar as eleições. E, melhor ainda, se ganhasse.

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