sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A política rarefaz o ar da economia no Brasil

Meses de festas e férias, e o mormaço do verão. A vida assume outro ritmo e a política tende a ser acomodar à modorra de dezembros e janeiros. Em tese, tudo para. Só que não. A comichão se espalha e, nos bastidores, a articulações se aceleram. É ano de eleição. Num tempo normal, a perspectiva das urnas esquenta tudo, naturalmente. Numa quadra histórica como a que se vive desde 2016, mais ainda a chapa ferve, com risco de derreter. O fato é: não há férias para o desassossego; a vertigem nacional tem fluxo contínuo.

O governo vive de aflição em aflição, sabe bem que seu fim pode estar logo ali, no descontrole das contas públicas e na frustração com o crescimento. Já é tão pouco o que mantém Michel Temer vivo politicamente que qualquer desatenção pode fazer desmoronar o barranco em que se escora. O downgrade de agências de risco não surpreende, mas agrava a situação.

As lentes coloridas dos membros da equipe econômica, sempre positivas, querem enxergar algo de bom em tudo. É do seu papel. Acreditam, diz a fonte em uma notícia qualquer, que o rebaixamento será alvissareiro, pressionará deputados. Será? Pode ser também que não: aliviado pelo mal que já ocorreu — o rebaixamento veio e nada será imediatamente revertido — porque deputados teriam pressa, depois que Inês morreu? Tudo pode, então, ficar para depois, não?

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Temer foi alçado ao poder somente porque se comprometeu com entregáveis contratados, na economia: desarmar a bomba da ''Nova Matriz'', realizar o ajuste, retomar atividade e boas perspectivas. Implica em, pelo menos, remediar a Previdência Social, desculpa para todos os rombos. Se o presidente não serve para isto, para o que mais serviria? Ele não veio ao mundo para sanear o sistema político, instaurar a moralidade; veio só para isto.

Temer é antes o resultado do sistema; um articulador de pequenos interesses e interesses pequenos. Seu papel é conduzir o clero baixo, tanto quanto possível, para mitigar a aflição econômica de modo que, assim, a economia fizesse a paz da política, pelo menos da Lava Jato.

Para os que o apoiaram, nos mercados, a economia é uma exigência. Mas, para o governo, um imperativo, questão de sobrevivência. Contudo, nada é mesmo simples e a doença há casos em que não há remédio, além do deixar sangrar e do tempo.

O presidente se desdobra mesmo que a saúde física lhe cobre juros. Mas, a verdade é que não tem de onde tirar nada melhor do que aquilo que dispõe: a precariedade de quadros políticos em sua base — e no Brasil atual — é assustadora, de onde pode retirar recursos humanos para operar a recuperação?

Escolheu Carlos Marun como ministro da Secretaria de Governo. Deputado de um único mandato, num ambiente cheio de vícios, Marun se destacou rapidamente em razão da virtude de seus defeitos, com o perdão do paradoxo.

Crê-se que seja o quadro adequado para lidar com os recalcitrantes do governismo, temerosos em votar a reforma e ampliar o fosso com os eleitores. Por falar a língua objetiva da base, calculou Temer que melhor que os bons modos de Imbassahy seriam os maus modos de Marun. Faz sentido, mas após escorregar em rede nacional — admitir a pressão sobre governadores –, Marun recolheu-se aos bastidores, de onde, menos forte, articula as esperanças do governo.

Aliados começaram a abandonar o barco antes do que se supunha. No afã de manter a base, o governo recorreu ao apoio de Roberto Jefferson — uma espécie de Carlos Marun, dos tempos de Fernando Collor — para que indicasse o ministro do trabalho, e apertasse os nós do vínculo de seu PTB com o governo. Jefferson pariu Cristiane Brasil.

Deputada articulada e aguerrida como o pai — o próprio Jefferson — padece da mesma precariedade da base — difícil encontrar alguém sem ''poréns''. Mas, não é papel do Judiciário definir quem o Executivo pode ou não pode nomear ministro. Parece uma interferência indevida, quase um troco, uma desforra.

Todavia, renegar dívidas trabalhistas, já julgadas em última instância, pega mal para um ministro do Trabalho. Ser acusado por gente simples, motoristas e domésticas, arranha tanto a reputação quanto a de um dentista com cárie e banguela. Argumentos em sua defesa, como os do deputado Beto Mansur — ''se for assim, o ministro da Saúde não pode fumar, o dos Transportes, não pode ter multa''— , são, sinceramente, patéticos.

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Enquanto o governo fica assim nessa água malparada, esperando fevereiro chegar, a fragmentação eleitoral corrói a base e aprofunda a desinteligência. Já há pelo menos três candidatos que se reivindicam da autodenominado ''centro democrático'' em que o governo diz estar; disputas se acirram e, assim, se desvia o governo de sua pauta.

Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Rodrigo Maia se preparam para consumirem-se mutuamente. Buscam demonstrar que são capazes de reunir melhores times que os demais; já insinuam formar ministérios. Faz sentido, procuram atrair setores da elite e do empresariado, no primeiro momento. O diabo, porém, será conquistar a massa — no momento seguinte.

Pelo menos para Alckmin e para Meirelles, o caminho pode não ter volta: para ambos, a eleição de 2018 será a última oportunidade de realizar o sonho da Presidência, que acalentam há anos. Não é fácil renunciar a sonhos. Já para Maia, pode se tratar de cavalo que passa encilhado, como descartar? O deputado percebeu que em política, o poder é destino; há de virar o rosto se a sorte lhe sorri?

Quem abriria mão em nome de quem? Em 1989, Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e Mário Covas não chegaram a qualquer acordo; fragmentaram o centro, abriram espaços para Collor, Lula e Brizola. Nenhum deles conseguiu atrair o outro, tornar-se ponto de confluência de múltiplas forças políticas. E, note-se, eram quadros mais vividos, mais respeitados politica e intelectualmente, mais sagazes e credíveis que os atuais.

A saída para aglutinar o campo governista seria mesmo a natural atração que um governo bem resolvido e bem-sucedido, naturalmente, possui. Mas, esse não parece ser o caso. Voltamos às agruras de janeiro e fevereiro, mencionadas acima. E se fosse o caso — ou improvavelmente vier a ser — porque seria um deles e não o próprio Temer o candidato?

Vive-se, então, certo impasse e assim será pelo menos até abril, até que aos poucos tudo se defina (ou não), já a partir de 24 de janeiro, quando o ex-presidente Lula será julgado pelo TRF da 4a. Região. Enquanto isso, no mormaço de verão, o sol arde, a chuva cai. As cidades param por entre carros engarrafados ou sob águas que brotam dos bueiros. Não há brisa, a febre amarela reaparece. O bafo suspeito do futuro rarefaz o ar.

Carlos Melo

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