terça-feira, 19 de dezembro de 2017

País da desesperança

Os dados da Síntese de Indicadores Sociais 2017, divulgados ontem pelo IBGE, deveriam servir de ponto de partida para todos os que vão disputar a sucessão presidencial no ano que vem. De acordo com o estudo, um quarto da população, ou 52,2 milhões de brasileiros, estava abaixo da linha da pobreza em 2016, conforme parâmetros estabelecidos pelo Banco Mundial no mês passado. Um contingente que corresponde a cinco vezes e pouco a população de Portugal ou a da Grécia, perto de nove vezes a da Dinamarca, ou tanta gente quanto tem a África do Sul.

Desses 52,2 milhões que viviam com renda domiciliar per capita diária inferior a US$ 5,50 (R$ 387,07 por mês), quase 18 milhões eram crianças de zero a 14 anos.

Ainda conforme os dados do IBGE, 43,1% dos habitantes do Norte e 43,5% dos moradores do Nordeste vivem com renda igual ou inferior a essa, contra 25,4% da média nacional.


Torna-se, portanto, possível buscar a explicação política da grande aceitação da candidatura de Lula nas Regiões Norte e Nordeste. O ex-presidente conseguiu carimbar em si a marca de um administrador que melhorou a renda das famílias. E não há nenhum segredo para isso. Se a renda é baixa, quaisquer acréscimos, como os obtidos com o Bolsa Família, são vistos como algo miraculoso. Embora o embrião do programa tenha sido criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, pela Lei 10.219, de 11 de abril de 2001, no imaginário da população a autoria foi de Lula, um expert em vencer a guerra da comunicação. Não houve Operação Lava Jato que mudasse isso.

Quando Lula volta às ruas e diz que fará um governo muito melhor do que os anteriores, com muito mais distribuição de renda, ele encarna a figura de um Messias que se propõe a salvá-las da miséria absoluta. É um discurso pra lá de demagógico, mas funciona porque no momento não existe nenhum melhor.

O estudo do IBGE também fornece pistas para o surgimento do fenômeno Jair Bolsonaro, que em todas as pesquisas sobre as intenções de votos para a eleição presidencial aparece sempre consolidado em segundo lugar, atrás de Lula. E, por estranho que possa parecer, os governos petistas têm responsabilidade nisso.

Porque foram os governos de Lula e de Dilma Rousseff que cooptaram os movimentos sociais e sindicais, como o MST, a CUT, a UNE e outros. Com isso, os movimentos deixaram as ruas e foram fazer a luta política nos gabinetes. O lugar deles nas periferias e no ativismo social e político, como bem reconheceu Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Sem Teto (MTST), no jornal Valor Econômico de ontem, passou a ser ocupado pelas igrejas pentecostais. Jair Bolsonaro tem forte presença nesse meio.

Um outro fator também aproxima Bolsonaro das periferias, principalmente entre os jovens. A violência que aterroriza a classe média, e a faz se fechar atrás de muros e sistemas de vigilância, horroriza as comunidades pobres, pois as fazem ter em seu dia a dia o contato trágico com as organizações criminosas. Inúmeras famílias são obrigadas a pagar mensalidades aos bandidos para que seus parentes não sejam violentados sexualmente ou mortos nas cadeias.

Diante desse quadro, torna-se impensável alguém querer vencer uma eleição sem abordar, em primeiro lugar, a questão da pobreza. Não com paliativos demagógicos, mas com a busca de programas de geração de empregos, educação, saúde, transportes e segurança que façam essa parcela da população brasileira passar a se sentir cidadã.

Um país que tem um quarto de sua população jogada na desesperança não tem como ter esperanças de melhorias no futuro, por mais bem intencionados que sejam os seus dirigentes.

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